Fábio Fabato - Divulgação
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Por Fábio Fabato Jornalista

Rio - Noutro dia, um casal argentino - três crianças a tiracolo - se perdeu da menor delas nas areias do Leme. Eram muitos os copos na cabeça, mas ficaram sóbrios rapidinho ante o furdunço criado. Um recorte de praia se mobilizou para encontrar o pequeno, coisa de cinco aninhos. Saiu pela esquerda rumo à pedra, ninguém viu, ondas que vêm e vão, aquela coisa perfumada de areias livres e desatentas. Correram nas buscas o barraqueiro, o vendedor de cerveja, o sujeito que esquentava o queijo coalho para uma madame com seu totó. E até a madame. E o totó.

Não houve quem não se mexesse, o futevôlei parou, o altinho (proibido, mas espaçoso) baixou a bola. Até que surgiu o pai, aos prantos, lá de quase perto da pedra, com o troféu fujão no colo, são e salvo. A praia aplaudiu, uma porção de gente já estava banhada em sal de lágrimas, cena bonita sob sol de cinema.

Ora, este é um inegável ativo do Rio e do Brasil - a capacidade de cooperação em situações extremas do cotidiano - mas que foi deixado de lado na base de nossa sustentação econômico-social.

Em entrevista à jornalista Paula Ferreira na Revista da Finep, o economista irlandês Jonathan Dawson, do Shumacher College, enunciou o que seria a salvação do futuro: uma economia baseada em colaboração, não em competição. Parece papo motivacional no cafezinho da firma, mas os argumentos são sólidos. Um deles, o desequilíbrio ambiental promovido pelo consumo desenfreado, este que historicamente deu as mãos à noção de bem-estar. Há muito tempo, a conta não fecha e o resultado, associado à escassez dos recursos naturais, foi o aumento da distância entre pobres e ricos - o que, no fim, é ruim para todos: a violência, por exemplo, atinge qualquer bolso.

Mas para além disso, impera o substantivo abstrato que é concreto nas enrugadas faces ocidentais contemporâneas (e não contabilizado em estatísticas clássicas): a tristeza. A competição nas relações interpessoais esticou e angustiou o tecido social das metrópoles. Somos doutrinados para o acúmulo e ele costuma nos desidratar. No Japão e na Suécia, por exemplo, os ricos não choram por pagarem mais impostos porque evidências coletivas da própria dinâmica social provam que eles são mais felizes quando há oportunidades reais a quem ganha menos. "Até recentemente, não fazíamos transações movidas por somas financeiras fixas, e, sim, pela troca, reciprocidade de dádivas", diz Dawson.

Mas o economista que crê no Estado em cooperação permanente com a sociedade civil não defende a simples incorporação de modelo cristalizado. Para ele, os países precisam buscar melhoria coletiva, sem acumulação indiscriminada, a partir de contextos próprios. Políticas públicas efetivas nasceriam daí.

Desde 1500, vivemos discursos que camuflam nossa história escravagista de desigualdades, racismo e feminicídio - com a permissividade institucionalizada para "senhores" pisarem em gente e no interesse público. Explica-se, pois, a advogada negra inacreditavelmente algemada numa audiência de um lado e, de outro, o branco-realeza, cujo pecado do drible à lei ganha ares de empreendimento.

Mas também por cá, mesmo, contra as marés repressoras, há um bonito povo criativo e a cultura popular como saídas pacíficas e desobedientes à definição-mãe nossa de status quo - conferindo laços de pertencimento e fôlego. E possibilidade de futuro.

Somos pujança potencial da economia colaborativa: no mundo do clamor por água, exibimos fontes murmurantes que matam sede, biodiversidade, manancial de possibilidades ao "bem-estar à brasileira", nada utópico. Esta terra me gera irrefreável otimismo por valores táteis e intangíveis, mas necessita - via reforma educacional, política e cultural - de conscientização urgente sobre sua condição de obra aberta escrita a milhões de mãos.

Que o esforço de ajuda ao pai argentino deixe de mero coleguismo que cai com a tarde. Do contrário, morreremos na praia.

Fábio Fabato é jornalista

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