Vanessa CardosoDivulgação
Por Vanessa Cardoso Psicóloga de MSF-Brasil
Publicado 12/10/2018 03:00

Rio - Atuar em emergências médicas não significa apenas tratar do impacto físico de doenças, das dores ou feridas visíveis. Nossas experiências nos mostram, cotidianamente, que aquilo que é invisível às vezes pode doer mais e por mais tempo do que qualquer mal do corpo.

Mesmo depois que as lesões do corpo são tratadas, feridas psicológicas, invisíveis, podem continuar abertas. Para que esses ferimentos sejam marcas e não destruição nas histórias de pessoas em diferentes contextos de violência ou desastres naturais, profissionais de Médicos Sem Fronteiras (MSF) estão presentes para ouvi-las e ajudar no cuidado de sua saúde mental.

Os problemas relacionados à saúde mental são muito mais comuns do que se imagina. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), uma em cada quatro pessoas sofrerá, em algum momento de sua vida, algum tipo de transtorno mental. Entre as pessoas que sabem possuir algum tipo de desordem mental, cerca de 60% não procuram ajuda. Não é difícil de concluir que, se a essa predisposição são somados fatores como perseguição, necessidade de fugir de conflitos armados, catástrofes naturais ou ausência de meios para acesso a cuidados de saúde vitais, resultados drásticos podem ser esperados.

Por esse motivo, a oferta de cuidados psicológicos vem se tornando cada vez mais relevante na atuação de MSF. A importância de oferecer atendimento de saúde mental como parte do trabalho de emergência foi reconhecida formalmente pela organização em 1998. No ano passado, profissionais de MSF realizaram 306.300 atendimentos de saúde mental individuais e 49.800 em grupo. Em 2007, haviam sido 126 mil e 35 mil, respectivamente.

O trabalho tem o objetivo de oferecer apoio para que as pessoas possam desenvolver estratégias próprias de enfrentamento depois de vivenciarem situações que podem provocar traumas. O foco imediato do tratamento é aliviar os sintomas, assim como ampliar a capacidade funcional dos pacientes.

Nossos profissionais trabalham em contextos de crises humanitárias em que os quadros de sofrimento mental podem ser intensos. Muitas das pessoas atendidas por MSF foram separadas de suas famílias ou presenciaram até mesmo a morte de entes queridos. Outras passaram muito tempo em fuga, por terra ou no mar, buscando abrigo e segurança. Os deslocamentos trazem também outro problema: aqueles que já sofriam com transtornos psicológicos são privados do tratamento e do atendimento de rotina e podem evoluir para quadros mais graves.

Para aqueles obrigados a deixar tudo para trás, é fundamental conseguir um meio de recriar sua identidade enquanto indivíduo, mas também como comunidade. Atendimentos coletivos e individuais ajudam nossos pacientes a encontrarem as ferramentas que já têm dentro de si para se reconstruírem. Com isso, encontram também formas de se reestabelecerem como grupo, com espaços de convivência e retomada de hábitos que reestruturam a rotina. Assim, o processo individual e coletivo vai re-costurando o tecido social esgarçado numa situação de violência ou catástrofe.

Na semana em que comemoramos o Dia Mundial da Saúde Mental é importante lembrar que cuidar da saúde de alguém vai além de preservar sua integridade física. Porém, mais do que focar no sofrimento e na dor, aprendemos nos projetos a identificar a imensa capacidade de resiliência de nossos pacientes. São pessoas que passaram igualmente por situações aterradoras, mas que são um apoio fundamental para seus vizinhos, parentes, amigos. E, assim, umas às outras, elas se ajudam a cuidar de suas feridas invisíveis.

Vanessa Cardoso é psicóloga do MSF-Brasil

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