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Arte: O Dia
Por Tarcísio Motta Vereador do Rio de Janeiro pelo Psol

Rio - "Perplexidade é a melhor palavra que define o ambiente registrado ontem no Palácio do Planalto, em Brasília, entre os assessores presidenciais", informava o Correio da Manhã do dia 13 de dezembro de 1968. Isso porque na véspera, 216 deputados disseram um redondo "não" ao governo, que queria que o parlamentar Marcio Moreira Alves fosse processado no Supremo Tribunal Federal por injúria. Afinal, o deputado vinha denunciando torturas contra presos políticos. Mas a tentativa do governo deu com os burros n'água, perdendo por uma diferença de 75 votos.

A oposição comemorou o resultado com lágrimas nos olhos, emocionada pela vitória da democracia. O inflamado discurso de Moreira Alves chegou a ser publicado na íntegra: "Luto pela solidariedade desta Câmara, livre de pressões e ameaças. Luto por solidariedade a todos e a cada um dos deputados, cujo dever de dizerem o que pensam - ainda que pensem de modo totalmente contrário às minhas opiniões - querem cassar. Luto porque cedo aprendi a respeitar a Câmara dos Deputados e, depois de a ela pertencer, aprendi a amá-la. Luto porque quero a Câmara aberta e digna. Quero que daqui saiam as leis e as reformas que reconstruirão no Brasil a democracia e estabelecerão a justiça social", disse durante um dos pontos altos de seu pronunciamento.

Mas enquanto os jornais eram distribuídos com essa notícia, o governo, inconformado com a perda na Câmara, deu um jeito de conseguir o que queria, baixando o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que determinava, entre outras decisões, que o presidente da República poderia suspender os direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos, federais, estaduais e municipais. O AI-5 ainda vinha com um ato complementar que foi servido como cereja no bolo aos que odeiam democracia: a partir daquela data, o Congresso estava em recesso por tempo ilimitado.

Foi o golpe mais duro da ditadura civil-militar, dando carta branca para o presidente da República também confiscar bens considerados ilícitos, suspender garantia de habeas corpus e punir de forma arbitrária qualquer pessoa que considerasse inimiga do regime. Em menos de um mês, 11 deputados federais foram cassados. Em janeiro, as perseguições continuaram, atingindo também ministros do STF. O festival de arbitrariedades durou até 1978 e, nesse período, as torturas denunciadas por Moreira Alves, é claro, continuaram.

Da perda do governo na Câmara à decretação do AI-5, passaram-se menos de 24 horas, mas a ditadura já estava a todo vapor desde 1964, mascarada por um Congresso em funcionamento. Quando os parlamentares fogem do controle da Presidência, passam a ser vistos como um problema para o governo. O "não", que ecoou em Brasília na véspera, foi uma vitória para a democracia, mas foi também a gota d'água para cair a máscara do regime de exceção.

Por isso, é preciso estar atento e ativo também fora do parlamento, percebendo que a política está no dia a dia de todos, no preço da passagem de ônibus, do alimento e do remédio, na segurança das cidades, no acesso à praia, na formatura da escola, na roda de samba, no churrasquinho da praça, na qualidade do ar. É preciso defender o que parece óbvio: a liberdade de se expressar, discordar ou concordar, criticar ou aplaudir.

O regime democrático, assim como o povo, não é uma obra pronta e acabada, está sempre em movimento e é resultado de muitas lutas. Exatamente por contemplar a diversidade das populações, é visto pelos ditadores de plantão como um obstáculo para suas ações. Temos, portanto, a obrigação de protegê-lo do autoritarismo, daqueles que não sabem lidar com diferenças e muito menos ouvir "não".

Tarcísio Motta é vereador do Rio de Janeiro pelo Psol

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