Luís Pimentel, colunista do DIA - Divulgação
Luís Pimentel, colunista do DIADivulgação
Por Luís Pimentel Jornalista e escritor

Rio - O filme 'Gonzaga - de pai para filho', de Breno Silveira, nos mostra algumas cenas significativas de Luiz Gonzaga (tão identificado com o Nordeste que passa a impressão de jamais ter saído de sua Exu Natal) no Rio de Janeiro: tocando e cantando nos puteiros da extinta Zona do Mangue; vivendo de favor no Estácio, no barraco dos queridos amigos Xavier e Dina (que praticamente criaram Gonzaguinha); sendo tratado com algum desdém no programa de auditório do grande Ary Barroso; e brilhando no palco da Rádio Nacional, coqueluche da era de ouro.

Em uma das passagens do Rei do Baião pelo interior baiano, onde eu vivia, tive a oportunidade, nos anos 1970, de ajudar o jornalista José Malta a entrevistá-lo para os microfones da brava Rádio Cultura de Feira de Santana, fechada pela Ditadura Militar. Perguntamos onde ele morava, já que a cada dia estava num canto. "Moro em minha sanfona", respondeu, soltando aquela risada de sacudir o estúdio. Lembrei-me dessa imagem há algum tempo, ouvindo o lindo verso de Aldir Blanc, para harmonia de João Bosco: "Não vou pro céu, mas já não vivo no chão / Eu moro dentro da casca do meu violão" ('Sonho de caramujo').

Se vivo fosse, Gonzagão teria feito aniversário ontem, 13 de dezembro (nasceu em 1912). E claro que o Velho Lua poderia estar cantando muito e tocando sua sanfona-casa, enaltecendo a vida do sertanejo, significando muito para o seu povo. Mas morreu há 29 anos, num dia 3 de agosto.

Nenhum artista brasileiro foi tão importante para a cultura das regiões Nordeste e Norte do Brasil, para a divulgação de como vivia, trabalhava e sofria o trabalhador das roças quanto Luiz Gonzaga, filho do mestre sanfoneiro Januário e da roceira Ana Batista de Jesus, que um dia saiu da pequena cidade de Exu, região do Araripe, no sertão pernambucano, para conquistar o Brasil e fazer sua sanfona conhecida nos quatro cantos do país e também no exterior.

Foi um artista verdadeiramente popular e mambembe, que corria o Brasil inteiro, ano a ano, fazendo shows das grandes capitais aos municípios distantes e minúsculos. "Seu Luiz", como era carinhosamente tratado pelos amigos, vivia repetindo que não poderia prescindir de parceiros (teve muitos, Humberto Teixeira e Zé Dantas foram os mais constantes), porque não sabia trabalhar sem um poeta do lado. Achava-se um homem rude e sem traquejo com as palavras, o que não era verdade.

Gonzaga tinha, sim, um olhar extremamente poético sobre o mundo e o revelou diversas vezes em entrevistas, participações em programas de rádio e TV e no longo depoimento que deu à pesquisadora francesa Dominique Dreyfus, autora do livro Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga. Explicando a ela, por exemplo, a razão dos longos períodos de chuva que costumavam alegrar Exu, ele disse, em poucas palavras, o que um meteorologista gastaria muito verbo para dizer: "O pé de serra tem sempre essas matas, essas montanhas que atraem as chuvas. Tem um vento que desvia o rumo da chuva. Ela se forma, vem, e quando chega no alto da serra, se divide, parte pra tudo que é canto".

Lindo. Como linda foi sua vida e toda a sua obra.

Luís Pimentel é jornalista e escritor

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