Por Gabriel Chalita - Professor e escritor

Estava no metrô. O metrô parou. Notícias de alagamento. Pararam as notícias. O metrô prosseguiu. O metrô parou. Desci do metrô. As ruas viraram rios. Os rios impediam o ir e vir. Havia desconforto por todos os lados. Notícias falavam em deslizamentos e em mortes. Em árvores caídas e em luzes apagadas.

Lembrei que eu reclamei, alguns dias antes, da falta de chuva. Onde moro falta água. Sabe o que é viver sem água? Sabe o que é acordar de madrugada para ligar a bomba e tentar fazer a água da rua subir para a caixa d’água? Pois é. Há alguns meses eu vivo isso.

O banho é sempre muito rápido. Lavar a roupa é um problema. As louças, também. Não tenho dinheiro suficiente para comer na rua. Chego tarde do trabalho e preciso lavar coisas, entende?

Resolvi enfrentar a água e ir caminhando. Os medos vieram comigo. Um fio desencapado. Uma doença. Um troço qualquer caído. Mas precisava ir. O cansaço me avisava que eu precisava de um canto para o descanso. E fui. Outras pessoas foram também.

Fui pelas ruas lamacentas. Fui por

necessidade. Quando fui chegando perto de casa, a água foi se despedindo. Minha rua é um pouco mais alta. Quando entrei em casa, uma alegria veio me dizer que eu era um felizardo. Nada de alagamentos. Só as roupas no varal que precisariam de outro banho. Os galões que coletam água da chuva estavam repletos. Até a caixa d’água resolveu me surpreender.

Tomei o banho que quis. Quente. Sentei no sofá e, como costumo fazer, agradeci. Liguei o rádio baixinho, antes de dormir, e suspirei de tristezas ao ouvir as notícias. Quantos também vencidos pelo cansaço resolveram voltar para casa e, quando em casa chegaram, casa não tinham mais. E ainda há os que perderam os seus para a enxurrada.

Não sei de quem é a culpa. Não sou estudado nessas coisas. Sei que os homens maltratam muito a natureza. Fazem o que não devem. E, um dia, ela reclama.

Amigos meus dizem que eu reclamo muito. Talvez eu precise melhorar. Todo mundo precisa melhorar. Hoje, não vou reclamar. Moro em um canto simples, mas aconchegante. Tenho onde dormir.

Quase sempre tenho água. E nunca perco a esperança. O que eu peço para as chuvas? Que venham mais equilibradas. Já há gente desequilibrada demais por aí.

Amanhã, preciso acordar cedo. Desligo o rádio e rezo pelos irmãos meus que não têm onde dormir.

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