- Arte: Kiko
Arte: Kiko
Por O Dia

Rio - Em espaço de uma semana saem de cena dois gigantes. Bibi Ferreira morreu dormindo aos 96 anos, felizmente de causas naturais. Sua pequena estatura física abrigava um gigante, a certamente – e ninguém tem qualquer ressalva quanto a isso - mais completa artista do Brasil.

Em tudo e por tudo. Da atriz à diretora, da apresentadora de televisão à cantora, todas excepcionais. Chamo a atenção para a histórica participação na música popular, até porque a cantora Bibi gravou, desde o final dos anos 30, dezenas de discos 78 RPM, depois muitos LPs, logo seguidos por CDs. O último, ainda inédito, será lançado pela Biscoito Fino.

Bibi refulgiu nos palcos da vida até quase sua partida, aos nos deixar em tempo aceitável e pacifico. Já Ricardo Boechat foi arrebatado por morte brutal, em pleno auge da carreira, com muitíssimo ainda por fazer.

Ambos foram não só meus amigos, mas admirações que cultivei sempre.

À Bibi, já lhe fiz louvações torrenciais nos últimos dias. Quanto a Boechat há ainda a dizer. Não cabe me estender sobre o ser humano, meu velho amigo desde os tempos em que o jovem foca da coluna do Ibrahim Sued me telefonava no Museu da Imagem e do Som. Sempre em busca de notícias, ele cumpriria o destino dos grandes jornalistas, ou seja, a procura do furo.

Anos depois, no rádio e televisão, à notícia seca do jornal Boechat agregava comentários quase sempre ácidos. Recebi dele, já na Band, muitas ligações em busca de informações, as culturais, tratadas, essas sim, com solidariedade e atenções comovedoras. Disse-lhe certa vez que ele apontava e punia os desacertos tal como o cronista Stanislaw Ponte Preta. Boechat gargalhou e acrescentou ser de fato admirador do Sérgio Porto. Mas também dos cronistas de essência da cidade, desde Lima Barreto até Ruy Castro.

O que me move hoje, ao esgrimir a falta que Boechat faz, é homenageá-lo, refletindo e cobrando (eis o meu preito pessoal) alguns dos desacertos contra a cidade, objeto de suas denúncias de sempre.

Boechat fustigava o abandono de prédios históricos no Rio, como a Estação da Leopoldina, ou o velho Hospital da UFRJ na Avenida Presidente Vargas, ou ainda o Canecão. E também lastimava o estado de pré-desabamento dos casarões imperiais do centro urbano, advertindo sobre os perigos de incêndios e desabamentos.

Reclamei, com ele, uma vez, do desprezo com que o governo do estado tratou o tradicional prédio do Museu da Imagem e do Som, o único remanescentes da exposição de 1922, ao lado do Petit Trianon da Academia Brasileira. Que foi doado, sem mais nem menos, ao Tribunal de Justiça. Motivo suficiente para Boechat açoitar o governador ferozmente, exigindo um mínimo de respeito ao patrimônio histórico do Rio.

Que falta, meu Deus, fará à cidade e ao país um jornalista desta estirpe. Desta nobilíssima combatividade.

Ricardo Cravo Albin é presidente do Instituto Cultural Cravo Albin

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