- Globo/Fábio Rocha
Globo/Fábio Rocha
Por O Dia

Mulher e carnaval: a associação que se faz quase sempre coloca a mulher como objeto sexual. Ao longo das últimas décadas, a mídia contribuiu fortemente para reforçar tal estereótipo. A televisão brasileira nem se fala. Que o digam os comerciais de cerveja. Com certeza, você se lembra de uma propaganda. Na virada da primeira década do século XXI, algumas ainda teimam em apostar neste discurso, mais do que ultrapassado.

Neste contexto não podemos deixar de citar as vinhetas de carnaval produzidas pelas emissoras de TV aberta, em especial aquelas criadas pela TV Globo. Praticamente durante quarenta anos, a vinheta da principal emissora de tevê do país usou e abusou da mulher como objeto sexual. Ao olhar para essa produção, a gente percebe o quanto a emissora foi “ousada” e a mulher, subjugada. Nos dias de hoje, era das redes sociais, do telespectador consciente, do consumidor ativo e barulhento, uma vinheta dessa não duraria uma noite sequer no ar.

Em uma sucinta retrospectiva, as vinhetas das décadas de 1970 e 1980 traziam mulheres esguias, magras, seminuas e nuas, num formato de animação. Apareciam, quase sempre, em poses eróticas. Em 1990, a emissora revoluciona. As mulheres ‘animadas’ ganham vida própria no corpo da modelo Valéria Valenssa, que passa a ser batizada de Globeleza. “A Globo faz escola no carnaval deita e rola’, era assim que a vinheta começava, apresentando a modelo.

A partir de 1990, a emissora, a cada ano, reinventava e estilizava a vinheta, mas sempre com uma modelo sambando, às vezes, nua, às vezes, seminua. O vídeo destacava em closes fechados os peitos, o bumbum e a genitália, ora cobertos por pinturas, glitter, desenhos ou efeitos de computação gráfica. A conexão samba, carnaval e mulher, como objeto sexual, estava dada de forma clara, direta ou, que seja, de forma subliminar. Certamente, no mínimo, duas ou três gerações foram impactadas por este entendimento. Tanto os homens quanto as mulheres, rapazes e moças, meninos e meninas. Acho que nem preciso dizer sobre as consequências disso para os relacionamentos amorosos, para a formação identitária do que é ser mulher e do que é ser homem e para o conceito do que significa o carnaval.

Mas o mundo gira, não é verdade? E evolui positivamente também. E quase sempre por pressões sociais e ou econômicas. Desde 2017, a TV Globo tirou de cena a mulher objeto. Iluminou o estúdio e trouxe homens e mulheres para brincar o carnaval. De lá para cá, foi trazendo os diferentes ritmos brasileiros que se articulam com o carnaval, como o frevo, o maracatu, o bumba meu boi, o afroxé, bem como o carnaval de rua, as marchinhas e a festa tradicional da avenida das escolas de samba.

O carnaval, agora, aparece na vinheta da emissora como uma grande festa que reúne homens e mulheres de diferentes regiões do país, com sua desigualdade e diversidade, mas unidos pela diversão dos foliões. No vídeo deste ano, há mulheres e homens, brancos e negros, gordos e magros, jovens e adultos. Os closes são a brincadeira, a festa, a musicalidade, o carnaval.

Comparando com as vinhetas anteriores, é uma diferença gigantesca que está, obviamente, melhor condizente com o papel, o lugar e a importância que o sexo feminino tem e exerce nos dias de hoje. De certo, a disputa pela audiência, envolvendo questões econômicas, sociais e religiosas, também deve ter exercido pressão para tais mudanças. Mas o fato é que, longe de ser careta e ou conservador, as vinhetas de antigamente abusavam e muito do sexo feminino, desrespeitando-o e contribuindo para uma sociedade preconceituosa e machista. Quantos pais, responsáveis, deveriam se sentir desconfortáveis vendo tais vinhetas com suas filhas e filhos no sofá da sala. Ou o que é pior: nem se davam conta e achavam que tudo aquilo era normal.

Marcus Tavares é professor e jornalista 

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