Por O Dia

“Brasil, o teu nome é Dandara, E a tua cara é de cariri (...) Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”.

No ano em que se comemora 30 anos de um dos mais significativos desfile de escola de samba do Carnaval do Rio de Janeiro (“Ratos e urubus larguem minha fantasia”, da Beija-Flor) e de um dos mais poéticos e inspirados sambas, “Liberdade, Liberdade! Abre as asas sobre nós (composto por Niltinho Tristeza, Preto Joia, Vicentinho e Jurandir, para a Imperatriz Leopoldinense), uma escola volta a se lembrar e lembrar a todos nós que o maior espetáculo da Terra é maior quando busca atingir além do mero espetáculo, garantindo lugar no camarote sagrado da poesia.

Vale lembrar aqui, aproveitando o mote poético, dos 50 anos de “Bahia de todos os deuses”, do Salgueiro; os 55 de “Aquarela brasileira” e os 70 de “Exaltação a Tiradentes”, ambos do Império Serrano. Mexendo em feridas antigas e recentes, a Estação Primeira de Mangueira criou neste 2019 um enredo e consagrou um samba (de Deivid Domênico, Tomaz Miranda, Mama, Marcio Bola, Ronie Oliveira e Danilo Firmino) disposta a manter o Carnaval no reino da fantasia, mas com pés, mãos e coração na realidade.

A recente personagem-mártir da vida brasileira (que nem o Tiradentes dos versos de Mano Décio da Viola, Penteado e Estanislau Silva; a Chica da Silva que um dia Anescar e Noel Rosa de Oliveira cantaram no Salgueiro; ou os sertanejos fortes que a Em Cima da Hora já homenageou), Marielle França (ou sua memória) atravessará a avenida nos braços da verde-e-rosa, seguramente com a mesma beleza, nobreza e dignidade vimos nos traços daquele simbólico Jesus em trapos.

Carnavalizando as devidas proporções de tempo, temperatura e empolgação, penso que o desfile da Mangueira tem tudo para causar no público da Sapucaí o furor que causou (eu estava lá!) o Cristo profano e proibido que saudava orgulhosamente em seu estandarte “mendigos, desocupados, pivetes, meretrizes, loucos, profetas...”

É sempre bom lembrar, como num verso de Gil, que em 1989 a censura semiadormecida se manifestava – naquele momento sob as asas da igreja católica – ouriçada contra o crucificado (“Quem não seguiu o Mendigo Joãosinho Beija-Flor” que encantou Caetano?), em farrapos, que benzeu e pacificou o Sambódromo.

Censura? Olho nela! Religiosa, leiga ou simplesmente estúpida e fiel aos seus princípios, está sempre ameaçando voltar.

Evoé! E sai pra lá!!!

 

Luís Pimentel é jornalista e escritor

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