MSF - Reprodução
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Por O Dia

Rio - A mineira Nancy Dominga viu-se, um dia, com o lado esquerdo do corpo completamente paralisado. O médico demorou a fazer o diagnóstico e, quando identificou o problema, já era tarde para qualquer cura. Ela tinha doença de Chagas e, por consequência, havia sofrido um acidente vascular cerebral (AVC). “Tomo medicamentos para não ter outro AVC, esse é meu tratamento. Será que um dia vai ter uma vacina para Chagas? Pelo menos para diminuir o sofrimento…”, desabafa.

A história de Nancy, publicada no site chagas.msf.org.br, de Médicos Sem Fronteiras (MSF), é uma de muitas no Brasil e no mundo. Há um enorme desconhecimento em torno da doença, o que se reflete de maneira direta na falta de dados oficiais: as estimativas apontam de 6 a 8 milhões de pessoas afetadas no mundo e 75 milhões sob risco de infecção pela doença, cujo primeiro caso foi descoberto pelo sanitarista brasileiro Carlos Chagas em 14 de abril de 1909, há 110 anos. A enfermidade é causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, transmitido pelo inseto conhecido como “barbeiro”.

Muitas pessoas afetadas ignoram a própria condição, e algumas morrem sem que a causa seja relacionada à doença de Chagas. Os dados sobre a morbidade se baseiam em números estimados, já que é muito baixo o acesso ao diagnóstico. MSF defende a criação de políticas para aumentar o acesso ao diagnóstico e integrar diagnóstico e tratamento na atenção básica.

A maioria das problemáticas envolvendo doença de Chagas hoje se relaciona a sua falta de visibilidade. Ela é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença tropical negligenciada, o que quer dizer que afeta majoritariamente pessoas em situação de pobreza e conta com pouco investimento, tanto em políticas públicas quanto em pesquisa e desenvolvimento de medicamentos.

Um levantamento de 2015 revelou que doença de Chagas, leishmaniose e tripanossomíase africana recebem apenas 4% de todos os recursos globais em pesquisa e desenvolvimento. Entre as três, Chagas é a que recebe menos. O aumento desse investimento é essencial para desenvolver meios capazes de impulsionar as estratégias de diagnóstico e tratamento. Para essa mudança acontecer é preciso que as estratégias globais e regionais sobre Chagas deem mais importância para pesquisas.

Existem bons exemplos de que é possível realizar pesquisas importantes para levar a cura às pessoas infectadas, mobilizando a comunidade científica, governos e setores da indústria, como tem acontecido mediante esforços da Iniciativa para Doenças Negligenciadas (DNDi). Essas iniciativas precisam se multiplicar e, da mesma forma, é necessário que os sistemas de inovação estejam mais pautados pelas necessidades de saúde do que pelas necessidades do mercado.

A criação de um dia oficial mundial das pessoas afetadas por essa doença representaria um importante passo para mudar seu histórico de negligência e subnotificação, aumentando a conscientização sobre a mesma enquanto um problema global, atual e prioritário de saúde pública. Esta é uma demanda das pessoas afetadas. O dia 14 de abril tem sido usada pela Federação de Associações de Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas (FINDECHAGAS) para cobrar melhores estratégias de enfrentamento à doença.

MSF apoia, com diversas organizações, uma petição da FINDECHAGAS, na plataforma Change.org, que busca pressionar a OMS para incluir, em sua agenda oficial, o Dia Mundial da Doença de Chagas. Seria uma forma simples e eficaz de aumentar o nível de informação sobre a doença, além de marcar a data no calendário das pesquisas científicas.

Marina Siqueira é analista em Assuntos Humanitários de Médicos Sem Fronteiras

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