Por O Dia

Rio - Para condenar os assassinos e agressores de mulheres, a Justiça precisa que a investigação policial, ao ser apreciada pelo Ministério Público e pelos tribunais, demonstre consistência. Dela devem constar depoimentos dos principais personagens, perícias, descrição do planejamento e ação do criminoso e narrativa dos fatos. Em texto claro e informativo.

Inquéritos bem estruturados, com base em provas robustas, propicia a magistrados e júris uma decisão segura, que não gere questionamentos relevantes e espaço a contestações.

No Estado do Rio, o trabalho da Justiça é afetado pelo precário primeiro atendimento prestado pelo Poder Público à sobrevivente de um ataque feminicida, às testemunhas e aos parentes das vítimas fatais.

As condições das Delegacias de Atendimento à Mulher são ruins, o que muito prejudica a investigação. Nenhuma vítima de violência doméstica se sente bem ao depor em ambiente inadequado, pouco acolhedor. Ainda mais sendo obrigada a detalhar as agruras que passou, a expor a intimidade a policiais também afetados pelo caos administrativo ao redor.

A magistratura fluminense está preocupada com a situação. Delegados e agentes nos relatam, de modo reservado, que, se não custearem despesas corriqueiras, as unidades não teriam como funcionar.

A vítima de agressão não pode ser atendida sem que o policial lhe dedique o digno apoio preconizado não só por entidades de defesa da mulher e dos direitos humanos, mas, sobretudo, pela legislação brasileira. Há interrogatórios que duram horas, interrompidos por crises de desespero, pelo pranto convulso, pela necessidade de socorro médico e psicológico à depoente.

O caso da vítima Elaine Caparroz repercutiu intensamente. Episódio bem documentado, com autor identificado e preso. A perícia foi prejudicada pelas condições do Instituto Médico Legal. Aparelhos quebrados e falta de estrutura impediram a realização do exame corporal. Trata-se de crime detalhado com minúcias pelo noticiário. Imaginem os que permanecem desconhecidos da sociedade e até do Judiciário, já que inúmeras vítimas desistem do registro ao se deparar com as carências do distrito onde deveriam receber o primeiro amparo.

O Tribunal de Justiça do Rio registrou 88 feminicídios em 2018. Em janeiro deste ano, o Instituto de Segurança Pública (ISP) informou ter havido 38 tentativas. No primeiro mês de 2019, cinco mulheres foram mortas no Estado por questão de gênero.

Os números mostram que, a despeito dos problemas dos inquéritos policiais, o Judiciário tem cumprido a função de punir os responsáveis pelos feminicídios, que, no Brasil, estão se transformando em uma espécie de epidemia macabra.

Renata Gil é juíza da 40ª Vara Criminal do TJ-RJ, vice-presidente Institucional da Associação dos Magistrados Brasileiros e presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (AMAERJ)

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