Gabriel Chalita, colunista do DIA - Divulgação
Gabriel Chalita, colunista do DIADivulgação
Por O Dia

Rio - Terminei de fazer a barba há pouco. Com a loção de sempre, revivi o frescor. E, agora, sou eu e o espelho. E o pensamento. Não imaginava que pudesse voltar a sentir o que estou sentindo. E, ainda, pela mesma mulher. Será hoje à tarde. Foi assim que combinamos. Um café e o que vier.

A despedida, há anos, não foi das melhores. Eu era ainda inábil com as palavras. Talvez ainda seja. Hoje, entretanto, falo menos. Aprendi a gostar do ouvir.

Falei, naquela época, que não estava pronto. Que havia seriedade de mais e maturidade de menos. Que era melhor dar um tempo. Ah, eu não sabia nada sobre o tempo. Ele vai escapulindo do nosso controle, sem avisos. Quando vi, estava aqui onde estou. Velho. Achava que os arroubos de ansiedade eram privilégio dos amantes, nos inícios. Estou eu, aqui, contando as horas para o encontro.

Dos meus ditos erráticos até ontem, foram-se mais de quarenta anos. Sim, nos vimos, ontem, e nos reconhecemos. Eu sabia que ela havia enviuvado. Mas nada disse. Não sabia como seria recebido. Quando parti, ela ficou partida. Disse isso em uma carta anos depois. Demorou a se apaixonar novamente. Quando se casou, sofri muito. Não entendi por que não retirei o meu medo e fui ao seu encontro. Teríamos vivido

uma vida juntos. Eu nunca a esqueci. Briguei com meus sonhos pedindo que outros viessem. Briguei com meus pensamentos. Tive outras mulheres, naturalmente, mas quem me teve, por todos esses anos, foi ela.

Ontem, ela estava olhando uma vitrine, quando nos vimos. Paramos por algum tempo. Paramos o tempo. Quisera tivéssemos esse poder. E eu disse o quanto sentia sua falta. E ela sorriu. Sorriu receptiva. E eu fiz o convite para o café. Achei o mais apropriado. Ela acenou que sim. E foi isso.

Talvez ela vá faltar. Talvez ela tenha dito que sim, apenas para rapidamente se ver livre de mim e continuar a examinar as vitrines. Talvez ela vá e se vingue. E diga, como eu disse um dia, que era melhor partir. Tive uma noite indormida. Conversei seriamente comigo e me repreendi. Por que não a procurei antes, se logo depois da despedida eu a queria de volta? Fiquei esperando que ela me procurasse. Por quê? Teimosia? Orgulho? Orgulho de quê? De ter temido o amor?

Mas, se ela ainda guardasse algum ressentimento, não teria sorrido como sorriu. Há pessoas que sorriem de nervoso ou de raiva. De raiva, não.

Ela irá. Certamente. E eu farei diferente desta vez. Os que amam precisam ter mais responsabilidades no caminhar. Para não ferir. Para, se ferir, ajudar a cicatrizar. É tarde demais para corrigir o meu erro? É tarde demais para amar com amor? Só sei que quero que o café se prolongue, que a noite seja só nossa e que nunca mais amanheçamos separados.

Gabriel Chalita é professor e escritor.

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