Tamara Jurberg 
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Por Tamara Jurberg

Atuar numa situação de emergência médica não requer apenas profissionais de saúde tecnicamente  competentes, munidos de equipamentos e suprimentos adequados. Essas premissas são necessárias, mas não suficientes.

Um exemplo disso é que nas ações de combate à epidemia do Ebola na República Democrática do Congo, Médicos Sem Fronteiras (MSF) está enfrentando grandes desafios para fazer com que os cuidados médicos cheguem à população. Meu trabalho mais recente com MSF foi como promotora de saúde na província do Kivu do Norte, um dos focos da epidemia que atinge atualmente o país e já é a mais grave de sua história.

Desde agosto do ano passado, quando a epidemia foi declarada, cerca de 1.300 casos já foram confirmados, e o número de mortes beira a 900. Apesar dos números alarmantes, o surto ainda está longe de ser controlado, e as pessoas continuam a chegar aos centros de saúde com suspeita de contágio. Um dos caminhos primordiais para controlar o surto passa pela promoção de saúde.

Para que a entrada de médicos e enfermeiros nas comunidades e o próprio tratamento da doença seja compreendido e aceito pela população local, promotores de saúde têm desenvolvido um enorme trabalho de engajamento comunitário, identificando suas lideranças, entendendo o contexto local e trocando experiências sobre a melhor maneira de sensibilizar a população sobre o perigo do Ebola, os sintomas, a transmissão e como evitar o contágio, que acontece pelo contato físico com outra pessoa infectada.

Durante a atual epidemia, MSF tem sido o principal responsável pelo tratamento da doença dentro dos centros médicos dedicados a cuidar dos pacientes, mas existem outras inúmeras atividades que precisam ser desenvolvidas na comunidade para cortar a transmissão da doença. Esse trabalho é de fundamental importância, visto que uma epidemia de Ebola começa e termina na comunidade, não dentro de um hospital.  

Por se tratar de uma província que sofre há anos com diversos conflitos, forças policiais e armadas estão sendo utilizadas para realização dessas atividades, entre elas a vacinação, o enterro digno e seguro dos mortos (o contato com corpos de vítimas é extremamente perigoso) ou a descontaminação de casas onde pessoas ficaram doentes. O uso do aparato policial nessas ações tem causado medo e desconfiança na população.

O clima de tensão em torno das atividades relacionadas ao combate do Ebola se materializou em ataques a centros de tratamento, entre eles os operados por MSF nas localidades de Katwa e Butembo, que estão no epicentro da epidemia. Com os ataques, as atividades de MSF tiveram que ser canceladas nessas localidades e também em Biena, em um centro de triagem de pacientes que havia entrado em operação havia apenas um dia, onde eu estava. Não era mais possível garantir a segurança nem da equipe, nem dos pacientes.

Não sabemos o motivo exato dos ataques, mas algo claro é que a resposta ao Ebola falhou em ganhar a confiança da população local nesse contexto na província do Kivu do Norte, uma localidade que sofre com inúmeros outros problemas há décadas.

Fica evidente também que o uso da força se torna contraproducente em uma epidemia que está longe de ser controlada. E é por isso que o trabalho de promoção da saúde e engajamento comunitário se torna tão relevante. A resposta ao Ebola precisa estar centrada no paciente e na comunidade, não em ações coercitivas.

Tamara Jurberg é Promotora de saúde de Médicos Sem Fronteiras

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