Gabriel Chalita, colunista do DIA - Divulgação
Gabriel Chalita, colunista do DIADivulgação
Por O Dia
Rio - Ele foi chegando como quem chega sabendo o quer. E foi dizendo dizeres que se atropelavam de tanta alegria. Eu desconfio da alegria. Sou precavido. Mas amo meu filho com a determinação de vasculhar em mim qualquer sentimento que, por ventura, esteja faltando. No silêncio do mundo, me aquietei para contemplar aqueles olhos pidonchos.

E lá vem a descrição de algum paraíso da natureza. De onde o sol se comove com os que o abraçam e fica até quando o dia avisa que tem que partir. Falou das águas e dos seus banhos. Do ir e vir de seus sons. De pássaros que rasgam os céus explicando para onde se deve olhar. E disse dos amigos que já emaranhavam desejos com planejamentos.

"Eu quero ir, pai. Todo mundo da minha classe vai".
Parei. Pensei. E disse nada.

Ele insistiu. Eu insisti comigo para ver onde arrumaria dinheiro antes de qualquer resposta.
Ele voltou ao que havia dito com ainda mais expressão,
Como dizer “não” a um filho tão bom?
Como dizer “sim”, se não há de onde fazer brotar os recursos?

Meu filho estuda em uma escola de endinheirados. Tem bolsa. Jamais poderia pagar. Faço o que nem posso para que ele festeje o conhecimento. O seu nascer já foi um milagre. A mãe era doente. Mas Deus decidiu nos presentear com um dos enfeites que Ele esparrama pelo mundo a cada criança que nasce. Ele veio, e a mãe, depois de poucos meses, se foi. Jovem se foi a mulher que tanto amei.

Não tenho outros filhos. Não tive o estudo necessário para decidir por mim mesmo. Dependo dos trabalhos que andam escassos. Sei bem o que é sair todo dia em busca de algo melhor. Sei bem o que é chegar em casa e ouvir as perguntas, da minha mãe e do meu filho, se deu certo a entrevista de emprego. Não deu. O que me falta eu tenho. Mas eles não veem. Choro sozinho no invisível do quarto.

Ouço, daqui e dali, que quem quer melhora de vida. Eu quero. E não sou dos que espanam a esperança. Vou adiante.

Recentemente, arrumei uma colocação em uma construtora. Ergo paredes e imagino histórias. Gosto do que faço, mas não ganho para excursões em paraísos. Comida não nos falta. Nem o básico de um crescer na simplicidade.

Os que estudam onde meu filho estuda têm o excesso. Nem sei se é bom. Dou um ou dois presentes para o Lucas, meu filho, por ano. É o que consigo. No mais, conto histórias e brinco com ele de enfeitar o mundo de bondades. E ele foi aprendendo a não exigir mais. E a sorrir com nossas pequenas incursões. Os passeios são no parque, na praça, no campo de futebol, na casa da minha tia, na quermesse. E é isso. Mas a escola resolveu viajar. Posso fazer um empréstimo, talvez? Mas é certo? O certo é dizer a verdade. Dizer o que ele sabe, que somos pobres, que plantamos para um dia colher. Que cultivamos os mais lindos sentimentos, que vivem onde estamos. Não precisamos de paraíso e temos o sol por aqui também, mesmo que parta mais cedo. E também água, mesmo que não sejam banhos perfeitos. E também pássaros que voam e nos fazem olhar para o alto.

Vou escolher o jeito de dizer. Vou olhar para dentro dele e buscar aceitação. Ficaremos por aqui, no quintal das nossas precariedades, com um pomar cheio de presenças. Há muitos que resolvem as ausências com presentes. Prefiro estar perto. Sempre. Contando quanto falta para o plantio florescer. Arrancando as pragas que aparecem e celebrando a estação das chuvas. E rindo das histórias engraçadas das gentes que moram por aqui. Nós dois gostamos de observar. É um jeito amoroso de saber que cada um tem o seu quinhão de presença no mundo.

No dia em que eu for me encontrar com a mãe dele, histórias de mãos juntas não faltarão.

As lembranças moram nos sentimentos, não nas coisas. Encoste a sua cabeça no meu ombro, meu filho. Vou te contar uma história... 
Gabriel Chalita é professor e escritor