Ricardo Cravo Albin - reprodução
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Por O Dia
Rio - A pergunta que o título aí acima propõe pode ser uma provocação. E é. Poetas podem entender que banhistas de corpos semidesnudos, ou ondas a provocar brancas espumas, ou areias e guarda-sóis a abrigar classes sociais e raças que se contradizem, tudo isso pode alimentar o intelecto dos mais delirantes.

O que me move, contudo, é afirmar que sim, praia é cultura. Concreta, literal. Ao menos a cada sábado, na praia do Leme, abrem-se as flores do conhecimento, do surpreendente. Por isso, evoco Marques Rebello, fino observador da magia do Rio: “só mesmo por aqui se pode observar que ricos parecem pobre, e vice-versa, a partir do milagre das areias libertárias de Copacabana”.

Não, nem de longe me anima qualquer intenção de perfilar retalhos de classes sociais ou de sociologia. Mas Rebello jamais poderia sequer sonhar com o que está a ocorrer no quiosque da empresária, a admirável mulata Maria Alice, na entrada do Leme. Um contraponto à música chinfrim (no último volume) dos quiosques, a ensurdecer os que passam no calçadão.

De fato, não se fala de outra coisa em Copacabana que não seja, pasmem, o encontro Filosofia na praia. Trata-se de uma invenção do ex Ministro da Cultura, o Embaixador Jerônimo Moscardo. Já por dois anos, ou quase, ele organiza palestras acadêmicas sobre a arte do pensar, do refletir, apresentando vidas, obras, teses. Ao começo do projeto achegaram-se não mais que vinte pessoas. Número que crescia à cada palestra, somando hoje, acreditem, uma pequena multidão de duzentas. Qual o milagre do fenômeno? A escolha dos palestrantes. Os professores de fato palestram com o público, em linguagem clara e sedutora. O Embaixador Moscardo escolheu a dedo o “reitor” que convida os mestres a falar. De fato, o Reitor Carlos Frederico Gurgel, filósofo da PUC e presidente do Centro Dom Vital, esmera-se ao privilegiar como conferencistas algumas das melhores cabeças pensantes do Rio.

Uma pergunta se faz iminente: quem ganha o quê com todo esse esforço para conquistar centenas de ouvintes? Nada, rigorosamente, nada. Ou seja, ainda há gente capaz de se estimular por espalhar cultura. Pelo prazer de servir.

Não à toa, o Filosofia na praia foi única notícia cultural veiculada sobre o Brasil no New York Times, quando da visita do Vice-Presidente americano Pence. Naquele exato sábado, houve tiroteio no Chapéu Mangueira. Todo o esquadrão dos repórteres que cobriam Pence viu aquela pequena multidão concentrada nas areias frente ao quiosque e foi verificar. Mal acreditaram no que testemunharam. Razão de o título da matéria do jornalão ter sido “Cultura sofisticada e gratuita nas areias de Copacabana ameniza o tiroteio na favela em frente”. No corpo da reportagem o correspondente considerou Copacabana uma Universidade Livre na Praia. Título agora oficializado pelo Projeto.

Pois todo este esforço está sendo ameaçado pelos fiscais da orla da Prefeitura, que andam multando o quiosque-mãe da cultura. Pelo simples fato de cultura não estar entre os objetivos da praia...
Socorro!

Ricardo Cravo Albin é presidente do Instituto Cravo Albin