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A realização da Bienal do Livro neste ano, no Riocentro, propiciou mais uma oportunidade de reafirmação da liberdade de expressão e o ataque que se faz constantemente contra a inteligência. Ninguém é a favor da censura. Mas, há os que são contra as expressões alheias. Vozes obscurantistas difundiram pelas redes sociais que na Bienal havia livros pornográficos destinados ao público infanto-juvenil. Logo o prefeito Marcelo Crivella assanhou-se para apreensão dos referidos livros tendo como exemplo o governador do Estado de São Paulo que se recusou a distribuir livros com conteúdo contrário aos seus valores. Na disputa pelo obscurantismo cada pessoa acometida do complexo de Torquemada tenta ser mais obtusa que a outra.

Fake news são notícias falsas difundidas com conteúdo intencionalmente enganoso, como se fossem informações reais. Este tipo de notícia, em sua maior parte, é feito e divulgado com o objetivo de legitimar um ponto de vista ou prejudicar uma pessoa ou grupo. A novidade não são as notícias falsas. Mas, o poder viral das fake news ante o surgimento das novas mídias. Com o avanço tecnológico e maior intercomunicação entre pessoas e grupos as notícias falsas se espalham rapidamente.

As informações falsas apelam para o emocional, fazendo com que as pessoas consumam o material "noticioso" sem confirmar se é verdade seu conteúdo. E por isso as fake News têm maior apelo que as notícias verdadeiras ou aquelas que demandam raciocínios e formulação de juízos.

Pesquisadores tentam estabelecer uma relação entre o poder de persuasão das fake news e o grau de escolaridade dos seus destinatários. Mas, a escolaridade não limita o poder de crença. Cada pessoa crê naquilo que lhe é conveniente e isto independe de grau de escolaridade, poder econômico ou status. Os indivíduos tendem a crer no que lhes convém. As fake news sempre existiram. O termo é novo, assim como o modo de propagação, mas nada mais são que boatos de grande circulação.

Diante dos boatos, ao invés de gastar dinheiro público para cuidar da cidade, o prefeito mandou fiscalização à Bienal e ameaçou cassar a licença de funcionamento, esquecendo-se que licença é ato administrativo não sujeito a revogação pela vontade de quem se julga dono do poder. Os fiscais foram e comprovaram a inexistência de livros de conteúdo pornográfico infanto-juvenis. Não satisfeito o prefeito os mandou novamente e os fiscais, de novo, nada encontraram. Diante da ameaça que pairava, os organizadores do evento ajuizaram ação e obtiveram liminar para fazer cessar o assédio do alcaide. O município, difundindo processualmente fake news, juntou ao processo imagem de um livro holandês traduzido para o português de Portugal alegando que se tratava de gibi pornográfico. O tal livro, destinado ao público adulto, não é vendido no Brasil e não estava exposto na Bienal. Enganado pelo município, mas fazendo coro com a censura, o presidente do Tribunal de Justiça cassou a liminar deferida. Felizmente há juízes em Brasília e o STF restabeleceu a liberdade de expressão e difusão das obras escritas.

A obra prima de algumas religiões é o pecado. E somente mentes muito férteis são capazes de imaginar a existência de literatura pornográfica infanto-juvenil. Assim, não tardou para que o cardeal da cidade se solidarizasse com a censura, "em nome da família fluminense e das pessoas de bem". Mas, dele, faltou igual preocupação com as famílias quando da desocupação - em dia de chuva - dos favelados da Ocupação Oi-Telemar em 2014.

O conservadorismo que nos rodeia é uma abominação política, ética e cognitiva. É abominação política porque fascista; é abominação ética porque violento e é abominação cognitiva, porque ignorante. Mas, não passarão!

João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de direito do TJ/RJ

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