More than 500 people are now safely onboard Aquarius, a search and rescue vessel run by Médecins Sans Frontières (MSF) and SOS MEDITERRANEE, but an unknown number of people are missing presumed drowned after a gruelling day of rescues in the Mediterranean. Teams rendered assistance to three rubber boats in distress that were overloaded with men, women and children, 1 November 2017. - Maud Veith/SOS Méditerranée
More than 500 people are now safely onboard Aquarius, a search and rescue vessel run by Médecins Sans Frontières (MSF) and SOS MEDITERRANEE, but an unknown number of people are missing presumed drowned after a gruelling day of rescues in the Mediterranean. Teams rendered assistance to three rubber boats in distress that were overloaded with men, women and children, 1 November 2017.Maud Veith/SOS Méditerranée
Por O Dia
Rio - Em dezembro de 2018, autoridades italianas ordenaram a suspensão das operações de busca e salvamento do navio Aquarius, operado por Médicos Sem Fronteiras (MSF), no mar Mediterrâneo. A medida fez parte de uma série de tentativas governamentais de impedir as ações de resgate, utilizando-se dos mais variados estratagemas legais. Ainda que, ao todo, os navios tenham ajudado a salvar mais de 80.000 vidas no mar desde 2015, o discurso utilizado para impedir as operações foi o de que a embarcação estava despejando ‘resíduos infecciosos’. Procuradores chegaram a afirmar que roupas de pessoas infectadas poderiam transmitir HIV, meningite e tuberculose.

Os procuradores não precisavam ser especialistas para saber que as doenças supracitadas não podem ser transmitidas dessa maneira. Em realidade, são justamente medidas como essas – de criminalização da migração – que acabam sendo a raiz de muitas enfermidades. Em MSF, costumamos dizer que as barreiras não impedem as migrações, apenas tornam mais perigosos os percursos. Após a organização ter retomado as operações de busca e salvamento no navio Ocean Viking, no dia 21 de julho, juntamente com a SOS Mediterranee, os relatórios mostram que a maioria dos nossos pacientes a bordo apresentam desidratação, hiper ou hipotermia e queimaduras, causadas pelo sol ou pelo combustível dos barcos em que são transportados. Na Líbia – rota quase obrigatória de milhares de pessoas que vão rumo à Europa – diversos migrantes morreram em um bombardeio recente a um centro de detenção. MSF já há muito denuncia as péssimas condições desses locais, nos quais imperam doenças como tuberculose e hepatite viral e toda sorte de situações degradantes, incluindo tortura. À despeito de tais fatos concretos, a União Europeia segue mandando milhares de pessoas de volta ao país do norte da África.

Nessa odisseia, não são apenas doenças infecciosas que afetam a saúde de imigrantes refugiados. Após serem resgatadas, é comum que as pessoas relatem desconfortos de origem somática, ou seja, que têm relação com os traumas sofridos durante o percurso e em seus países de origem. São experiências cujos efeitos irão deixar marcas por toda a vida, interferindo não só na sua saúde, mas nas probabilidades de integração, reinserção laboral, e seguimento educacional. Assim, dos que sobrevivem a esse périplo, 9 em cada 10 já adoeceram. Um quarto de todos que atravessam hoje o Mar Mediterrâneo são crianças – em sua maioria, desacompanhadas. Como diz um de nossos médicos atuantes na embarcação, muitas delas não sabem o que é viver em segurança. Em contraste, um então-representante do governo italiano, ao referir-se aos imigrantes transportados pelo Open Arms, outra embarcação de resgate, chegou a alegar que esses eram ‘falsos doentes e falsos menores’. Negar seu sofrimento era peça chave para deixá-los à deriva.

Desde então, houve ao menos alguns sinais positivos dos países europeus de maior abertura para o desembarque de resgatados no Mediterrâneo. Pela primeira vez em muitos meses, imigrantes, retirados do mar pelo Ocean Viking, puderam desembarcar na Itália. Esperamos que isso signifique um avanço concreto para o estabelecimento de uma política consistente de acolhimento de refugiados na Europa.
Nuni Jorgensen é demógrafa de MSF-Brasil