opina1311 - arte o dia
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Por O Dia
Rio - Em fevereiro de 1998, quando a Lei de Crimes Ambientais foi sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, o cantor Tim Maia ainda era vivo, o país experimenta o início da estabilidade do Real e Lula ainda amargaria mais uma derrota antes de subir a rampa do Palácio do Planalto. Marco na legislação de proteção ambiental, o texto vedava a disposição de resíduos em lixões e estabelecia sanções aos que incorressem em malfeitos. Pode parecer inacreditável, mas 21 anos depois o Brasil mostra que perdeu a batalha do lixo. O novíssimo “Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil”, da Associação Brasileira de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), lançado no último dia 8, mostra que o país ainda destina 40,5% de seus resíduos de forma inadequada. Os aterros sanitários, soluções de engenharia que contam com um conjunto de sistemas e medidas necessários para proteger a saúde das pessoas e o meio ambiente, respondem por 59,5%.

Em 2018, 6,3 milhões de toneladas de resíduos não foram sequer recolhidas junto aos locais de geração. É um descalabro: o número representa quase 9% das 72,7 milhões de toneladas geradas país afora no mesmo ano. O país cuja população tem dois dispositivos digitais por habitante – incluindo smartphones, computadores, notebooks e tablets – não conseguiu resolver uma questão básica de dignidade humana. Se a região Norte amarga os piores indicadores, a situação está distante de ser confortável no Sudeste, de longe a região mais rica. Nada menos do que 27,3% dos resíduos produzidos em Minas, Rio, São Paulo e Espírito Santo estão indo para lixões ou aterros controlados, que não dispõem de infraestrutura adequada.

É forçoso reconhecer que a derrota não é só brasileira, mas de toda a América Latina e do Caribe. A ONU Meio Ambiente alerta que a gestão ineficiente de resíduos sólidos urbanos implica a poluição das águas, a emissão de gases tóxicos e gases de efeito estufa, numa cadeia maquiavélica que deprecia a atividade econômica, como o setor de turismo da região. Superar esse esquema tradicional de “usar e jogar fora”, sublinha a ONU, é medida mais do que urgente. Os índices de coleta seletiva e reciclagem, amparados por governanças capengas e sustentado pela informalidade, patinam há anos.

Urgem as implantações de novos modelos de gestão que preconizem a não-geração de resíduos e premie boas práticas. De um lado, as tão temidas “taxas de lixo” não podem ser vistas como um estorvo. Gestão de resíduos demanda investimentos e a lógica básica das prefeituras – o “quanto mais barato, melhor” – já se provou um fiasco. Por outro lado, é preciso que a indústria assuma seu papel de maneira mais incisiva. É aí que entra o princípio da responsabilidade estendida do produtor, bastante difundido na Europa. Como resultado desse novo paradigma, espera-se que o próprio fabricante influencie o processo de evolução de design de embalagens e produtos de modo a reduzir o impacto ambiental causado por eles no final do seu ciclo de vida.

Os sinais recentes não são nada animadores. No relatório aprovado da Lei 3.261/2019, que muda o marco regulatório do saneamento, deputados federais incluíram uma anistia e carência para municípios que não conseguirem cumprir com disposição final ambientalmente adequada de seus rejeitos (o que não é passível de ser reaproveitado). Fixa novos generosos prazos: até 2024 para cidades com menos de 50 mil habitantes. Vamos continuar a pagar pelo custo de não se fazer nada?

*Emanuel Alencar é editor de conteúdo do Museu do Amanhã