Por Gabriel Chalita*
Fui com minha esposa a um restaurante, aqui, bem perto de onde nos construímos. Fazemos isso, de quando em vez, e gostamos. Só nós dois. Os filhos, crescidos, voam os seus voos. E ficamos nós, desafiando o tempo e cultuando o romantismo. Sentamos e nos olhamos como sempre. E pedimos o que comer. E nos olhamos novamente.

Era uma noite calma. Eram calmos os sentimentos de amor. Nunca fui de rompantes. Ouço histórias de brigas e agressões e de reencontros apaixonados. Discordo. Onde não há paz, não há amor. Nos lapidamos sem fogo, fomos mudando o necessário, nos acostumando com as imperfeições e com o prazer.

Não foi sempre assim. Nos inícios, nos estranhamos e ela me deixou. Eu tinha medo, talvez. Queria e não queria. E ela, insegura, partiu. Partiu e me partiu. Sofri a ausência e tive que ter paciência com a saudade. Os entreatos nos fizeram sentir que era melhor ficarmos juntos. E, desde então, estamos.

No romantismo daquela noite, ouvimos gritos. Era uma mesa dizendo impropérios a alguém que estava sentado ao longe. Não entendi no início. Depois vi que se tratava de política. Os da mesa xingavam de ladrões os da outra mesa. Uma mulher se levantou e gritou com tamanho ódio que movimentou aquele pacato lugar. Alguns defendiam, outros atacavam. Os gritos assustaram o amor. Os namorados que ali estavam já não mais estavam. Os ruídos ameaçavam agressões físicas. Minha mulher comentou comigo se já eram conhecidos de algum lugar ou se apenas se sentiam no direito de agredir quem conheciam por notícias ou espalhamentos de redes sociais. Um homem queria que o casal fosse embora e portava um a faca. Os garçons interferiram. Meu coração disparava de horror.

Era para ser mais uma entre tantas noites românticas da minha vida. De repente, aquele restaurante se transformou no lugar mais frio do mundo. Desentendimentos que foram gerando desentendimentos. Pensei em dizer alguma coisa, pensei em lamentar o fato de a poesia não ter sido apresentada a essa gente. A minha gente. Somos todos filhos do mesmo barro e comungamos uma pátria, uma língua, uns tantos costumes. E por que, então, nos agredimos?

A comida ficou sozinha nos pratos. A fome que brotava nos insensatos era outra. A de destruir o diferente. Somos todos diferentes, ora. Então, não ficará ninguém. Minha mulher comentou sobre a tristeza que se transformou algo que deveria ser tão bonito. A política deveria ser um gesto de caridade. De pessoas que deixassem os seus confortos para cuidar do mundo. Que se obrigassem a melhorar a vida. Vidas não são melhoradas em gritos.

Olhei para a minha mulher e me aproximei com desejo. Saímos abraçados. Na calçada, respiramos nossa história. Que bom ter nascido no mesmo tempo que ela e tê-la descoberto em meio a tanto barulho. Seu silêncio me desperta desejos gostosos. Nossas mãos vão se acariciando, enquanto caminhamos. Eu a indago se deveríamos ter dito alguma coisa . Ela olha como dizendo que também não sabe. O que sabemos é que esses gritos enfeiam a vida e fazem muito mal ao nosso país.

A noite há de ser paciente. Vai ficar acesa por algum tempo. Queremos fazemos amor em sua poesia.
 
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*Gabriel Chalita é professor e escritor.