Publicado 23/11/2019 03:00
A aplicação da Constituição da República, pelo STF, afastando execução provisória de sentença penal condenatória, causou comoção em quem quer fazer prevalecer suas opiniões ao arrepio das leis. Mas, quem criou a confusão foi o próprio STF quando, em casos anteriores, autorizara prisão antes do trânsito em julgado. Ouvindo a voz das ruas, que ecoava os julgamentos midiáticos, uma ministra declarou que condenava José Dirceu, apesar da falta de provas, porque a literatura jurídica lhe permitia condenar. Juízes que pensam assim são como O Juiz de Paz da Roça, da peça de Martins Pena, que mandara prender quem lhe exigia cumprimento do seu dever. Ante o argumento de que as leis não autorizavam tal prisão o personagem declarou revogadas as leis. E, ao argumento de que a Constituição não lhe atribuía poderes revocatórios de lei, declarou revogada a Constituição. Uma grave moléstia acomete alguns do judiciário: é a juizite. Os sintomas são a perda da ordem jurídica como referência para os julgamentos, a confusão entre o fato e a prova destinada a reconstituí-lo e a autorreferência, normalmente envolta em moralismo, que é a ética de quem não tem ética.
Um ministro do STF, que se pautava pela racionalidade da ordem jurídica e não pela voz das ruas, declarou num voto que “não posso tudo o que quero; somente o que a Constituição autoriza”. Mas, ao votar pela prisão sem o trânsito em julgado, o ministro abandonou tal posicionamento. A justificativa foi do excesso de recursos para os tribunais superiores, que não julgam situações fáticas, pois o STJ julga recursos especiais em caso de contrariedade de lei federal e o STF os recursos extraordinários em casos de contrariedade à Constituição.
Os “juristas de internet” disseram que se os tribunais superiores não analisam fatos, apenas Direito, não há inocente após condenação em segunda instância. Mas nenhum juiz analisa fato. Fato é ocorrência concreta no mundo natural. Dos fatos, os juízes não tomam ciência. Quando bem provados, formam juízo sobre suas ocorrências por meio das narrativas das testemunhas ou outros meios. O fato se esvai com sua própria ocorrência e não se repete. Apenas é possível sua reconstituição histórica, que não pode ser feita por testemunhas acuadas ou por delações premiadas, após torturas.
Juízes que sabem não analisar os fatos têm menos certezas e, portanto, estão menos sujeitos a erros. Julgar com honestidade intelectual é mais difícil. Os linchamentos são mais fáceis. O excesso de trabalho, as metas, as pressões diversas e o descompromisso com os direitos alheios facilitam adoção de comportamentos burocráticos e injustiças.
As questões levadas aos tribunais superiores podem não se referir à reapreciação de provas, mas de procedimentalidade para sua produção. Um réu que confesse crime após tortura pelo juiz da causa não poderá ter sua confissão analisada por um tribunal superior. Mas, este poderá analisar o meio ilícito da para obtenção da prova. No caso do tríplex do Guarujá o STF não poderá analisar se tinha uma cozinha gourmet, como noticiado pela mídia. Mas, poderá analisar o indeferimento do pedido de prova feito pela defesa, quando ainda não se sabia ser um cubículo guarnecido, exclusivamente, por um fogão de quatro bocas. O indeferimento implicou cerceamento, intencional, do direito de defesa. O devido processo legal pode ser tão relevante quanto a questão fática, sujeita a interpretação.
Um ministro do STF, que se pautava pela racionalidade da ordem jurídica e não pela voz das ruas, declarou num voto que “não posso tudo o que quero; somente o que a Constituição autoriza”. Mas, ao votar pela prisão sem o trânsito em julgado, o ministro abandonou tal posicionamento. A justificativa foi do excesso de recursos para os tribunais superiores, que não julgam situações fáticas, pois o STJ julga recursos especiais em caso de contrariedade de lei federal e o STF os recursos extraordinários em casos de contrariedade à Constituição.
Os “juristas de internet” disseram que se os tribunais superiores não analisam fatos, apenas Direito, não há inocente após condenação em segunda instância. Mas nenhum juiz analisa fato. Fato é ocorrência concreta no mundo natural. Dos fatos, os juízes não tomam ciência. Quando bem provados, formam juízo sobre suas ocorrências por meio das narrativas das testemunhas ou outros meios. O fato se esvai com sua própria ocorrência e não se repete. Apenas é possível sua reconstituição histórica, que não pode ser feita por testemunhas acuadas ou por delações premiadas, após torturas.
Juízes que sabem não analisar os fatos têm menos certezas e, portanto, estão menos sujeitos a erros. Julgar com honestidade intelectual é mais difícil. Os linchamentos são mais fáceis. O excesso de trabalho, as metas, as pressões diversas e o descompromisso com os direitos alheios facilitam adoção de comportamentos burocráticos e injustiças.
As questões levadas aos tribunais superiores podem não se referir à reapreciação de provas, mas de procedimentalidade para sua produção. Um réu que confesse crime após tortura pelo juiz da causa não poderá ter sua confissão analisada por um tribunal superior. Mas, este poderá analisar o meio ilícito da para obtenção da prova. No caso do tríplex do Guarujá o STF não poderá analisar se tinha uma cozinha gourmet, como noticiado pela mídia. Mas, poderá analisar o indeferimento do pedido de prova feito pela defesa, quando ainda não se sabia ser um cubículo guarnecido, exclusivamente, por um fogão de quatro bocas. O indeferimento implicou cerceamento, intencional, do direito de defesa. O devido processo legal pode ser tão relevante quanto a questão fática, sujeita a interpretação.
*João Batista Damasceno é juiz.
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