Arte para coluna opinião 25 de março - Arte Paulo Márcio
Arte para coluna opinião 25 de marçoArte Paulo Márcio
Por Alexandre Arraes*
Poucas questões no processo de ordenamento urbano envolvem tanta polêmica quanto a situação das populações de rua e o espaço que ocupam. O assunto, naturalmente, ganha maior proporção em épocas de crise provocada pelo novo coronavírus. O que a Prefeitura vai fazer com esse enorme grupo de milhares de pessoas, tangidas pelo desemprego, problemas pessoais, familiares ou mesmo questões médicas, instaladas nas ruas e praças do Rio de Janeiro, vivendo abaixo da linha da dignidade e gerando incômodos para moradores e transeuntes? O Poder Público, que se mostrou pouco capaz de lidar com o problema em tempos, digamos, “normais”, está ainda menos preparado para enfrentar a fase de mitigação da COVID-19, na qual muitas pessoas serão acometidas, principalmente aquelas incapazes de fazer higienização adequada e isolamento social.

É enorme a diversidade dessa população. Existem grupos com razões absolutamente diferentes para estar nas ruas. Há os egressos do sistema prisional; os fugitivos da Justiça, que se escondem dos mandados de prisão; os condenados pelo tráfico ou milícia; os doentes terminais; os doentes psiquiátricos; os dependentes químicos; os idosos abandonados; os migrantes que não têm passagem de volta a seus locais de origem; aqueles sem recursos até para regressar a seus lares distantes após um dia de trabalho ou de busca de trabalho. Mais ainda: há os que simplesmente desistiram de tentar se reinserir na sociedade; os que continuam tentando; e - num aspecto particularmente doloroso - muitas crianças e idosos abandonados. É necessário um protocolo diferente para cada grupo, o que aumenta em muito a complexidade das políticas públicas propostas. Grande parte dessa população se enquadra nos critérios de maior risco de contaminação e morte pelo vírus SARS.COV.2 e precisará de acolhimento rápido e, se necessário, até mesmo de forma compulsória.

Assumi a presidência da Frente Parlamentar dos Abrigos Municipais com o objetivo trabalhar para a identificação de possíveis intervenções gerenciais, busca de maior eficiência, intensificar a fiscalização e propor mudanças da legislação vigente. No inicio de março fiz as primeiras vistorias, acompanhado de representantes do Executivo municipal e dos legislativos estadual e federal. É importante que o Congresso Nacional seja sensível ao tema e faça a devida revisão da legislação ou ao menos detalhe o direito à locomoção, definindo o que é direito a permanecer e quais sãos os deveres decorrentes do exercício desse direito. É importante, principalmente para que possa haver distanciamento social real, que o tema seja tratado com a devida urgência, como estamos fazendo na Câmara Municipal do Rio de janeiro.

A questão é desafiadora. Há uma enorme discussão jurídica sobre o ato de permanecer nas ruas, transitória ou permanentemente. A Constituição Federal (CF), em seu artigo 5º, inc. XV, declara que “é livre a locomoção no território nacional, em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou sair dele com seus bens”. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 16º, inciso I, específica a permanência como parte do direito à liberdade de ir e vir “nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais”. Não estamos em tempos de paz, mas é justamente nos momentos de crise que os problemas mais difíceis e crônicos acabam sendo solucionados. Espero que os avanços que forem obtidos agora persistam após o fim da pandemia e produzam efeitos nas políticas públicas municipais. Tenho a esperança de dias melhores e é neste sentido que estou fazendo a minha parte e trabalhando duro. Não é uma tarefa simples para o Congresso Nacional, mas, ao consolidar a legislação, os senhores deputados e senadores, que perceberem a urgência dessa iniciativa, terão prestado um enorme serviço à população que vive nas ruas, aos demais cidadãos e à sociedade em geral que mora nos grandes centros urbanos. A vida nas grandes cidades pode ser mais digna e a convivência entre todos os cidadãos mais harmoniosa após ultrapassarmos a guerra contra essa epidemia que assola o nosso país.

*Alexandre Arraes é vereador e presidente da Frente Parlamentar dos Abrigos Municipais