Gabriel Chalita, colunista do DIA - Divulgação
Gabriel Chalita, colunista do DIADivulgação
Por Gabriel Chalita*
Estou em casa. Sozinho, com um monte de pensamento que, há tempo, não pensava. O tempo agora é outro. O que faço é acordar e me fazer companhia. Rabisco ideias em mim, revisito dias em que estava acompanhado e me alimento da esperança de que o tempo vai me levar a algum lugar.

Ouço os barulhos que fazem os que ficam nas tecnologias a dizer coisas. Alguns são mais responsáveis. Outros, apenas gritam. Desligo dos sons e ouço o silêncio. Eu havia esquecido o som do silêncio.

Entro em mim com cuidado. Havia perdido o costume. Digo coisas que estavam guardadas em algumas prateleiras esmaecidas pelo desuso. E faço a confissão dos que se perderam por aí. Já não sei quem sou. O que sei é que fui acumulando desnecessidades. De guardados em guardados, os espaços foram sendo ocupados. Vez ou outra, me desfazia de alguma coisa e até de algum sentimento.

Sinto medo, nesses dias. Olho as ruas desertas de uma humanidade frágil. Um vírus calou os abraços, os beijos, os afagos tão necessários. Um vírus interrompeu as visitas, as viagens, as alegrias em grupo.

Que vírus é esse? Por que ele veio? O que ele quer? Não sou entendedor das filosofias e sempre tive cuidado com conclusões apressadas. Só sei que reparo no que os outros dizem e desconfio. Aprendi isso com minha avó que só pôde estudar na escola da vida e que se fez mestra das observações. "Ouça muito e fale nada, menino", dizia ela varrendo a sujeira do mundo com suas mãos decididas. O quintal tinha a plantação e tinha a conversa. Falava ela com as flores que davam delicadeza aos dias. Eu achava lindo de ver. Com um lenço, invariavelmente, sobre o cabelo e a pressa nenhuma, ela gastava as manhãs dando vida aos enfeites da vida.

E, depois, o tempo era o do fogão a lenha. Demorava mais para acender, mas permanecia.

Com o tempo, aprendi que, com o amor ou a amizade, assim deve ser. Nada de fogo rápido. Aos poucos. As brasas precisam nos aquecer aos poucos. O amor, para se saber amor, também, não pode ser de afogadilho.

Lembrar minha avó me faz bem. Foi ela quem me criou. Mas essa é uma outra história. Sou grato pelo tempo do cuidado e pelo tempo do preparo.

Não estava preparado para esse tempo. Ninguém estava, penso eu. Os pensamentos se perdem nas inseguranças. Quanto tempo ainda ficaremos assim? Como resolveremos coisas práticas? Contas precisam ser pagas. Trabalhos precisam ser retomados. As carências que já existiam, antes, ganharam mais força. E nada de abraços.

Ouço o barulho de quem está sozinho reclamando da solidão. E ouço o barulho de quem está acompanhado reclamando da companhia. Os insatisfeitos povoam o mundo com suas ausências de sorriso. Nos ausentamos de nós mesmos, nesses tempos que vieram antes do tempo da reclusão. O que hoje nos faz falta, ontem, não valorizávamos.

O ontem nos importa para saber de onde viemos. Mas é para onde vamos que deveríamos gastar os pensamentos. O que será do mundo amanhã? Voltaremos aos mesmos equívocos? Nos esqueceremos com pressa do que passamos?

Fiquei com vontade de ir ao quintal. E ver os barulhos das flores nascendo. Fiquei com vontade de ter esperança. Tudo o que vejo dos barulhos das vozes que se desentendem me desanima, mas, quando olho o que nasce, é outro o sentimento que me toma. Falo das árvores que adornam as cidades de gentilezas e falo dos poetas. Um deles, certa vez, vaticinou, "Cada criança que nasce é uma prova de que Deus não perdeu as esperanças na humanidade.

Estou em casa, acompanhado.
*Gabriel Chalita é professor e escritor