João Batista Damasceno, colunista do DIA - Divulgação
João Batista Damasceno, colunista do DIADivulgação
Por João Batista Damasceno*
Uma das armadilhas do comércio e da propaganda está em fisgar o consumidor pela emoção. Embora nos entendamos racionais, as emoções influenciam nossas escolhas mais que imaginamos. Durante a evolução humana as emoções vieram primeiro e permaneceram conosco. As sensações, não raro, falam mais alto que o raciocínio. Para decidir com menos esforço, nossa mente faz “atalhos”, reportando-se a experiências passadas. Por vezes decidimos, emocionalmente, sob o impulso do que nos remeteu a uma lembrança prazerosa ou para fugir de uma sensação desagradável.

Pesquisas qualitativas servem para orientar marqueteiros e induzir consumidores a escolhas emocionais e imediatas, sem reflexão. Para evitar os abusos, as agências de publicidade, os anunciantes e os veículos de comunicação constituíram o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) e os associados respeitam suas decisões. O Código de Defesa do Consumidor proíbe propaganda enganosa e impõe que a publicidade integre o negócio. Propaganda é cláusula do contrato em favor do consumidor.
As escolhas dos consumidores podem ser emocionais, assim como as escolhas políticas. Quem faz escolha racional facilmente se corrige quando erra. Diversamente é quem faz escolha emocional. Contra a escolha emocional não há como argumentar racionalmente. Daí a dificuldade de convencer uma pessoa que fez escolha emocional, de que atuou contra o seu interesse individual, da sua coletividade ou da classe a que pertença.

Em outubro de 2005 o Brasil realizou um referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições. A sociedade brasileira não aprovou o artigo do Estatuto do Desarmamento que proibida a comercialização de arma de fogo. O dispositivo legal foi rejeitado por 59 milhões de eleitores (63,94%) enquanto foi aprovado por apenas 33 milhões (36,06%). Foi uma votação com um dos menores índices de votos brancos (1,39%) e nulos (1,68%) da história recente da República. Ao contrário do que aconteceu no plebiscito de 1993, não foi possível votar fora de domicílio eleitoral e os brasileiros que viviam no exterior não puderam participar, pois não houve votação nas representações diplomáticas brasileiras.

O noticiário do mundo cão, a propaganda de que a defesa pessoal é possível a todos independentemente de preparo, a difusão da cultura do medo e outras medidas que fundamentaram as escolhas levaram a sociedade àquela decisão. A sociedade brasileira votou contra o dispositivo do Estado do Desarmamento, mas as forças políticas e as instituições ignoraram o resultado. O Estado atuou em sentido contrário à vontade popular e manteve a criminalização da conduta vencedora no referendo. Pouca gente percebeu, com o resultado do referendo, a característica violenta da sociedade brasileira, forjada com o genocídio dos povos originários e escravização dos africanos. Em outras questões a opinião e os interesses das camadas populares foram negligenciados e disto decorreu a insatisfação que as tornaram presas fáceis do fascismo em ascensão, concepção política que atua com a insatisfação popular e escolhas emocionais, onde é difícil o convencimento com a racionalidade.

Em momento no qual um vírus nos coloca a todos em quarentena, não nos questionamos o que foram os vírus trazidos da Europa na época da colonização e que exterminaram parte da população originária. Sem exercício da razão, há os que negam o perigo, apesar do crescente número de mortos pelo mundo. O grupo que governa o Brasil é apenas o subproduto da cultura da classe dominante brasileira, sequioso apenas por lucro. A difusão de fake News e a desqualificação da informação de qualidade são apenas meios de dificultar a reflexão.
*João Batista Damasceno é juiz