Daniel Pinha - Divulgação
Daniel PinhaDivulgação
Por Daniel Pinha*
Rio - As últimas pesquisas de opinião sobre o governo Bolsonaro, realizadas em contexto de Pandemia de covid-19, indicaram manutenção das avaliações “ótima” e crescimento da “péssima”. Tais números não surpreendem, tendo em vista a característica super-polarizada e super-ideologizada de seu governo. Mesmo em decrescente, o avaliador regular continua figurando entre os mais representativos – atrás apenas do péssimo. Duas perguntas surgem: como pensa aquele nem ama nem odeia um governo extremista como o de Bolsonaro? Como se explica o crescimento da avaliação péssima em relação a regular?
Convicção ideológica demora a ser formada, mas também demora a ser desfeita. Durante a pandemia, Bolsonaro vem se mostrando firme às convicções que o elegeram: negacionismo científico, programa ultra-liberal na economia e indisposição política para o diálogo. Há um público que entende este movimento como sinal de coerência e fidelidade. Autenticidade, sinceridade e simplicidade são qualidades cada vez mais virtuosas em tempos de intimidade e exposição de privacidade nas redes sociais.
Publicidade
Bolsonaro se transformou em mito, usando e abusando desses predicados. Como Presidente, fala e governa para a sua bolha, como costumam ser chamados os grupos políticos das redes sociais.
Há um público que votou em Bolsonaro fora dessa lógica. Votou sem conhecer seu projeto a fundo, sem acreditar que ele poderia fazer o que estava prometendo. Apostavam no “novo” e na indignação ante a política tradicional. Votaram em Bolsonaro sem fazer alarde. Não são poucos, ao contrário do que a lógica “das bolhas políticas” possa indicar. Eles dão a medida da aprovação regular.
Publicidade
Em tempos de pandemia de Covid-19, o embate entre vida e morte está posto. Bolsonaro já escolheu seu lado: insiste em relativizar o valor da vida, tão cara às mais diversas cores ideológicas. Talvez por isso, associado a uma total falta de plano de combate ao coronavirus, tantos avaliadores do governo estejam passando do “regular” para o “péssimo”. Tal conclusão não demanda maior grau de politização ou inserção em uma bolha.
Bolsonaro descumpre, desta forma, um princípio republicano básico moderno: uma vez Presidente, em nome da razão de Estado, o espírito de facção se desfaz na defesa comum da res publica (coisa pública); ainda que orientado por princípios ideológicos, o Presidente não governa apenas para os que pensam igual a ele, mas para todos. Ser democrático significa, necessariamente, negociar com a diferença, pois a maioria eleitoral não impõe tal erradicação.
Publicidade
Em meio à Pandemia, ele comete desvio ético ainda mais grave: o pacto pela vida é tratado como questão política de bolha.

*Daniel Pinha é professor do Departamento de História da UERJ e co-autor do livro “Tempos de Crise: ensaios de história política”