Gabriel Chalita, colunista do DIA - Divulgação
Gabriel Chalita, colunista do DIADivulgação
Por Gabriel Chalita*
Conheço o campo melhor do que a cidade. Lá nasci, lá cultivei a terra, lá vi crescer o alimento. Lá, fui me alimentando de interiores, de paciência, de aprendizagens. Acordávamos o dia nos esquentando de trabalho. E era bom. O cheiro da roça ainda vive em mim. Basta uma pausa e a lembrança me alimenta de tempos bons. Uma pausa.

Tenho dois filhos crescidos na cidade. São diferentes de mim como tem que ser. Têm eles outros tempos, outras recordações, outro agir. São adultos, já. Um perdeu o emprego. O outro trabalha, incansavelmente, em casa. O que perdeu o emprego passa horas assistindo a filmes e exagerando no que come. O que trabalha tranca-se no escuro quarto e desapercebe o dia que passa. A vida que passa. Tem ele um filho que acompanha as aulas por um computador, enquanto a escola não abre. E que se diverte com as histórias que conto.

Meu neto é minha maior ocupação. Não consigo ajudar no que falta das lições que faltam na escola em casa. Mas consigo contar histórias, consigo brincar, consigo demonstrar interesse em tudo o que ele faz.

Os meus filhos me preocupam. Jogo conversas com algum ensinamento. São respeitosos os dois. Cuidaram de mim, desde que a mãe morreu e um inverno se prolongou em minha alma. Foi cedo a mulher que amei. Sofri de depressão por perdas que se me acumularam. Passou.

Um dos grandes ensinamentos de quem planta é que precisa descansar a terra. Mesmo a terra fértil. A fertilidade da mente humana precisa de descanso.

Minha avó gostava de usar a palavra "fastio", para nos ensinar que era bom sair da mesa de refeição sem o peso dos exageros. Era elegante aquela mulher. Cultivava o prazer simples do campo e do campo dos afetos humanos. Quando inventávamos de comer bobagens, ela nos dizia com simplicidade, "Não estrague a fome". Não se referia ela à fome horrenda, fruto da injustiça, que mata a vida ou o futuro de tantos irmãos nossos. Mas a fome que nos permitia encontrar sabor no alimento que virá. O cheiro da comida feita no fogão a lenha ainda mora em mim. O mastigar saboroso de comidas simples enfeitadas com o canto do mato. Ouvíamos os passarinhos, quando o pão feito em casa nos despertava prazer. O caldo quente da noite era a refeição mais leve. Também a conversa deveria ser assim. À noite, era preciso evitar gastar tempo com aborrecimentos. O sono era sagrado. Continuei com esses saberes.

Meu filho, que gasta os dias fazendo a mesmo atividade, come uma comida seguida da outra. Acaba de almoçar e faz pipoca para ver o filme. Logo depois, um pouco de sorvete. Logo depois, um salgado qualquer. E sempre deitado. E assim não percebe o que come e nem percebe que o dia tem diferentes horas para diferentes ações. O que trabalha não quer se levantar. Sentado em frente a um computador, enquanto sua empresa pede que fiquem em casa. Vez em quando, eu insisto e ele atende. Forço a mudar de posição, a dar uma pausa, a brincar com o seu filho. Ele obedece, mas, logo em seguida, esquece.

Não temos muito dinheiro, mas temos o suficiente para não nos faltar nada. Quando olho em volta, percebo o quanto precisamos agradecer. Mas tenho, ainda, as ilusões de plantar algo nesses dois. A vida é curta e é larga. É curta no tempo e larga nas possibilidades. Quando nos decidimos mudar para a cidade, foi para que os nossos filhos tivessem uma escola melhor. Também gostei de trabalhar no comércio, de negociar, de conhecer vidas. Aos poucos falávamos, minha mulher e eu, sobre o que puderam aprender e sobre o que deixaram de viver. Não sei se erramos ao exigir tanto deles. Não sei se teria sido diferente, se tivéssemos permanecido entre as montanhas. O que sei é que os exageros sempre me preocuparam. Os que bebem demais, os que comem demais, os que reclamam demais, os que descansam demais, os que falam demais. Fastio nunca é bom.

Meu neto acorda e já me pede uma história, enquanto preparamos juntos o café. Depois, vêm os dois. Conversamos um pouco e eles se vão para os seus quartos. Ficamos nós dois. Assisto às aulas com ele e ele gosta. No intervalo, peço alguma explicação. Sei que isso é importante para que ele valorize o que está aprendendo. Depois, ele me vê preparando o almoço. Ontem, me viu chorando, quando cortava o quiabo em pedaços pequenos. Falei de sua avó. E ele achou bonito. Disse que, quando tiver uma filha, vai dar o nome de Helena, da minha Helena. E eu agradeci.

Não quero reclamar da família que tenho, só quero que eles queiram a felicidade. Não sei quanto tempo ainda tenho. O que tenho de mais precioso mora em mim e eu preciso arrumar meios leves para que eles percebam e que ainda aprendam antes de eu ir.

Com as crianças é sempre mais fácil. Os adultos, como acham que sabem, demoram mais para compreender.
*Gabriel Chalita é professor e escritor