Tenho dois filhos crescidos na cidade. São diferentes de mim como tem que ser. Têm eles outros tempos, outras recordações, outro agir. São adultos, já. Um perdeu o emprego. O outro trabalha, incansavelmente, em casa. O que perdeu o emprego passa horas assistindo a filmes e exagerando no que come. O que trabalha tranca-se no escuro quarto e desapercebe o dia que passa. A vida que passa. Tem ele um filho que acompanha as aulas por um computador, enquanto a escola não abre. E que se diverte com as histórias que conto.
Meu neto é minha maior ocupação. Não consigo ajudar no que falta das lições que faltam na escola em casa. Mas consigo contar histórias, consigo brincar, consigo demonstrar interesse em tudo o que ele faz.
Os meus filhos me preocupam. Jogo conversas com algum ensinamento. São respeitosos os dois. Cuidaram de mim, desde que a mãe morreu e um inverno se prolongou em minha alma. Foi cedo a mulher que amei. Sofri de depressão por perdas que se me acumularam. Passou.
Um dos grandes ensinamentos de quem planta é que precisa descansar a terra. Mesmo a terra fértil. A fertilidade da mente humana precisa de descanso.
Minha avó gostava de usar a palavra "fastio", para nos ensinar que era bom sair da mesa de refeição sem o peso dos exageros. Era elegante aquela mulher. Cultivava o prazer simples do campo e do campo dos afetos humanos. Quando inventávamos de comer bobagens, ela nos dizia com simplicidade, "Não estrague a fome". Não se referia ela à fome horrenda, fruto da injustiça, que mata a vida ou o futuro de tantos irmãos nossos. Mas a fome que nos permitia encontrar sabor no alimento que virá. O cheiro da comida feita no fogão a lenha ainda mora em mim. O mastigar saboroso de comidas simples enfeitadas com o canto do mato. Ouvíamos os passarinhos, quando o pão feito em casa nos despertava prazer. O caldo quente da noite era a refeição mais leve. Também a conversa deveria ser assim. À noite, era preciso evitar gastar tempo com aborrecimentos. O sono era sagrado. Continuei com esses saberes.
Meu filho, que gasta os dias fazendo a mesmo atividade, come uma comida seguida da outra. Acaba de almoçar e faz pipoca para ver o filme. Logo depois, um pouco de sorvete. Logo depois, um salgado qualquer. E sempre deitado. E assim não percebe o que come e nem percebe que o dia tem diferentes horas para diferentes ações. O que trabalha não quer se levantar. Sentado em frente a um computador, enquanto sua empresa pede que fiquem em casa. Vez em quando, eu insisto e ele atende. Forço a mudar de posição, a dar uma pausa, a brincar com o seu filho. Ele obedece, mas, logo em seguida, esquece.
Não temos muito dinheiro, mas temos o suficiente para não nos faltar nada. Quando olho em volta, percebo o quanto precisamos agradecer. Mas tenho, ainda, as ilusões de plantar algo nesses dois. A vida é curta e é larga. É curta no tempo e larga nas possibilidades. Quando nos decidimos mudar para a cidade, foi para que os nossos filhos tivessem uma escola melhor. Também gostei de trabalhar no comércio, de negociar, de conhecer vidas. Aos poucos falávamos, minha mulher e eu, sobre o que puderam aprender e sobre o que deixaram de viver. Não sei se erramos ao exigir tanto deles. Não sei se teria sido diferente, se tivéssemos permanecido entre as montanhas. O que sei é que os exageros sempre me preocuparam. Os que bebem demais, os que comem demais, os que reclamam demais, os que descansam demais, os que falam demais. Fastio nunca é bom.
Meu neto acorda e já me pede uma história, enquanto preparamos juntos o café. Depois, vêm os dois. Conversamos um pouco e eles se vão para os seus quartos. Ficamos nós dois. Assisto às aulas com ele e ele gosta. No intervalo, peço alguma explicação. Sei que isso é importante para que ele valorize o que está aprendendo. Depois, ele me vê preparando o almoço. Ontem, me viu chorando, quando cortava o quiabo em pedaços pequenos. Falei de sua avó. E ele achou bonito. Disse que, quando tiver uma filha, vai dar o nome de Helena, da minha Helena. E eu agradeci.
Não quero reclamar da família que tenho, só quero que eles queiram a felicidade. Não sei quanto tempo ainda tenho. O que tenho de mais precioso mora em mim e eu preciso arrumar meios leves para que eles percebam e que ainda aprendam antes de eu ir.
Com as crianças é sempre mais fácil. Os adultos, como acham que sabem, demoram mais para compreender.