Marcelo Queiroz - Gabriel Andrade
Marcelo QueirozGabriel Andrade
Por Marcelo Queiroz*
A chegada da Lei Federal 13.954/2019, que trata do sistema de proteção social dos militares, veio colocar uma pá de cal em um silêncio ensurdecedor que data de 1988 e 1989, quando a Constituição da República e as constituições dos estados foram respectivamente promulgadas. De lá até o fim do ano passado, tentou-se ignorar os anseios de uma categoria diferenciada de agentes públicos, tratando-os ora com regras de regime geral de previdência, ora aplicando conceitos do regime próprio dos servidores públicos.

Policiais militares e bombeiros militares estão presentes em todas as unidades da federação. Querer tratar regras dessa categoria como se fossem problemas locais é uma ignorância política e jurídica.

A Constituição da República possui as chamadas normas constitucionais de preordenação ao tratar dos militares estaduais. Mais do que isso, em determinados assuntos, estabelece a competência legislativa para a União. É de uma “inocência” que não cabe no jogo político fechar os olhos a uma categoria que, no cenário nacional, tem entre seus representantes um governador coronel bombeiro, em Santa Catarina; e um vice-governador major da PM, no Acre, além de dois senadores, um major e um capitão da PM, e de inúmeros deputados federais e estaduais.

No Estado do Rio de Janeiro, resta ao governo calçar as sandálias da humildade e encaminhar à Assembleia Legislativa, por formalidade constitucional, um projeto de lei que reproduza os termos da lei federal, e, em respeito a estas categorias, vincular novamente policiais militares, bombeiros inativos e suas pensionistas às suas corporações, e não mais ao Rioprevidência, como é atualmente. A autarquia de previdência demonstrou inabilidade ao realizar descontos antes do período estabelecido na legislação federal e não há notícia de que pretenda devolver os valores. É um dinheiro que fez e ainda faz falta no orçamento de muitas famílias de militares estaduais. É uma oportunidade também para sair na frente e reproduzir, na lei estadual, o Projeto de Lei 3260/2020, que tramita na Câmara dos Deputados e prevê alíquota zero para militares estaduais que adquiram sequelas permanentes em decorrência de ato de serviço ou sofram de doença incurável.

A situação ganha contornos mais graves quando lembramos o caráter essencial das atividades de policiais militares e bombeiros militares em um momento de pandemia. Enquanto muitas categorias podem trabalhar de suas casas, aliando produtividade à proteção contra a Covid-19, PMs e bombeiros estão nas ruas para exercer as suas funções de servir e proteger vidas e bens materiais, o que os coloca sob um risco maior de contágio.

As liminares obtidas por alguns estados suspendendo o percentual estabelecido pela lei federal e mantendo índices mais altos de contribuição foram eventuais e concedidas como “misericórdia jurídica” em tempos de pandemia. Certamente não irão subsistir quando a vida voltar ao “novo normal”. Resta aos políticos compreenderem que os militares estaduais se tornaram um novo player, capaz de fazer a diferença nas urnas.

*Marcelo Queiroz é mestre em Direito Constitucional pela UFF e CEO do Escritório Queiroz e Andrade