Por Enrico Severini Andriolo* e José Guilherme Costa**
O debate no campo normativo e das políticas públicas sobre o etanol combustível remontam ao lançamento do “Proálcool” ao longo da década de 1970 (Dec. nº 76.593/75) e recentemente ganhou impulso ante a proposta de produtores venderem direto para os postos revendedores como forma de redução dos preços dos combustíveis.

No âmbito da profícua discussão sobre o tema, especialmente da Tomada Pública de Contribuições nº 2 da ANP, é possível constatar que a venda direta do etanol não é medida simples como pode aparentar em uma análise superficial. Trata-se na verdade de tema complexo, sujeito à necessária regulação indicada na Constituição de 1988 (art. 238).

Essa discussão passa necessariamente pelo esclarecimento do verdadeiro papel das distribuidoras que, no segmento de combustíveis, constituem elo essencial para permitir o abastecimento, integrando diferentes agentes e regiões e assegurando a qualidade dos produtos.

A atual configuração do fornecimento do etanol, contida na Resolução ANP nº 43/2009, não é recente, como já prevista no Decreto nº 82.476/78, e sua revisão precisa considerar que uma suposta lógica de mercado poderia restringir a oferta do produto (uma commodity agrícola) no plano espacial e temporal. Poderia ainda comprometer outros aspectos caros à sociedade, como ambientais, consumeristas e tributários, sendo os distribuidores substitutos tributários dos produtores de etanol no ICMS, concentrando grande parcela da arrecadação desta relevante fonte de receita estadual.

Diante da complexidade fática e jurídica da política pública subjacente à produção e fornecimento de etanol, devem os atores envolvidos com o tema, inclusive o Judiciário em face de pedidos isolados de liberação da venda direta, realizar efetiva avaliação consequencialista e multidisciplinar da medida, entendendo os porquês do atual sistema e os riscos da medida. Trata-se de atender, em suma, ao previsto no art. 21 do DL nº 4.657/42, a exemplo do essencial tratamento, sob o viés tributário, dado pelo Conselho Nacional de Política Energética - CNPE nas Resoluções 12/2019 e 02/2020.

Não endereçar adequadamente qualquer desses relevantes elementos pode gerar resultado final inverso do pretendido, com desincentivo a investimentos logísticos, aumento de custos, perda de segurança para consumidores, comprometimento da arrecadação e até mesmo redução do consumo do etanol.

*Enrico Severini Andriolo é advogado e Gerente Jurídico de Regulatório e Societário da BR Distribuidora, com MBA em Distribuição de Combustível pela FGV

**José Guilherme Costa é advogado e Gerente Jurídico Tributário da BR Distribuidora, com MBA em Distribuição de Combustível pela FGV