Gabriel Chalita, colunista do DIA - Divulgação
Gabriel Chalita, colunista do DIADivulgação
Por Gabriel Chalita*
Tenho 7 anos. Olho para minha professora e me fio em costurar desculpas para que ela me veja. Faço perguntas desnecessárias e comentários que tentam roubar algum riso seu. Em casa, penso no que dela fica em mim. Seu jeito de andar, sua braveza leve, seu penteado, seu perfume.

Tenho 14 anos e não gosto do que vejo. Cresci e não cresci. Há um desengonçar em mim. Uma vergonha de ainda não ser homem. Uma preocupação de não ser mais criança. Natália não me olha como eu a olho. Sou um amigo responsável e é ela a mulher que desejo para a eternidade. Acabou, há pouco, um namoro. Aprendi a palavra entressafra. Senti ser o momento ideal para dizer meus sentimentos. Deu em nada. Jogou um olhar piedoso e decidiu não querer estragar a amizade. Chorei doído ouvindo o consolo de minha mãe dizendo que não era ela suficientemente boa para mim, 'namoradeira demais', concluiu me oferecendo colo.

Tenho 21 anos. Estava tudo bem. Janaína desceu de algum planeta elevado para iluminar minha vida. Me ofereceu, sem pestanejar, o paraíso. Foi o que senti na primeira vez em que nos deitamos juntos, em uma noite acesa pelo luar. Meu corpo se transformou, meus pensamentos, também. Os risos constantes atestavam minha sanidade. Era bom ser dela. O futuro já estava certo, quando, sem muita cerimônia, ela partiu. E eu, partido.

Tenho 28 anos. Desmarcamos o compromisso. Subitamente. Talvez tenha sido eu o portador do erro. Respondi aos seus desejos de futuro com posturas evasivas. Fiz, repetidamente, o discurso da liberdade. Sabedor de que o enlace mais aprisiona que pereniza sentimentos bons. Juliana, então, arrumou sua parte na nossa história e se foi. Era inverno e, em pouco tempo, compreendi o meu erro.

Tenho 35 anos. Marina é linda. É de todas as mulheres que conheci a que mais se alimenta de poesias e de flores nascidas de encontros suaves dos cotidianos. Tão minha e eu não dela. Foi então que, cioso da eternidade de nossa história, fui brincar com outras histórias. Na imaturidade dos meus anos, quis mostrar aos meus amigos o meu poder de conquistador. E, então, ela disse "não". Tentei explicar. Ela cobriu minha voz com seu choro calmo e partiu. E eu sofri como sofrem os imbecis. Tentei colar. Os cacos despedaçados já não se encontraram.

Tenho 42 anos. E brinco de desencontros. Prefiro a solidão ao medo da perda. Me enrosco em palavras, quando me interessa o encontro. E, logo depois, justifico a decisão irrenunciável de permanecer sem ninguém.

Tenho 49 anos e estou completamente apaixonado. Penso o dia inteiro em quem dia nenhum pensa em mim. Já ofereci o mundo e já recebi nada. Falamos algumas vezes depois e ela se mostrou decidida a permanecer sozinha. É o que me diz. Já investiguei se outro a tem em meu lugar. Descobri nada.

Tenho 56 anos e conheci, enfim, quem comigo vai descortinar as estações. Foi sem procurar. Estava exausto da dor do abandono e surgiu ela em um desses dias silenciosos de nenhuma espera. Foi em uma praça, foi em um pedido de informação. E nos informamos que o melhor era nos guiarmos para não nos perdermos mais.

Tenho 63 anos e Mariana vive comigo o amor que espanta as teorias de que só nos inícios se experimenta as quenturas. Nos surpreendemos com delicadezas e nos ousamos mais. O que fazemos é forte e aquece os dias bem vividos.

Tenho 70 anos e encaro a solidão, depois do sepultamento do meu amor.

Tenho 77 anos e ando com a sensação adolescente de uma paixão não correspondida. Não é possível que, nessa idade, tenha sido eu novamente exposto a uma flechada irracional.
Tenho 84 anos e estou sentado na mesma praça em que conheci Mariana. O dia está frio. E, ao, longe vejo uma mulher que sorri para mim.

Tenho 91 anos e vivo bem de saúde e de amor. É Julia, que conheci há alguns anos, em uma praça, que esquenta o seu corpo no meu. Nos amamos com respeito e respeitamos nosso jeito de decidir viver acompanhado. O amor nos promete o milagre da longevidade

Tenho quase 100 anos, mas sobre esse dia falo em outro momento, sem pressa.
*Gabriel Chalita é professor e escritor