opina 20 outubro - Arte
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Por Ricardo Bruno*
Em que pese a aversão visceral ao estilo autocrático de Bolsonaro, seus últimos movimentos revelam algumas surpresas positivas. A escolha do desembargador Kassio Marques para o STF está certamente entre elas. O presidente driblou o fundamentalismo evangélico para se fixar num nome moderado, aparentemente garantista.

Bolsonaro jamais deixará de ser Bolsonaro, mas acerta quando resolve decidir através da política, pela negociação, sem arroubos individualistas e um pouco mais distante dos grupos radicais de sua base. De resto, é sempre melhor decidir pela política do que por influência de falsos profetas

Por mais contraditório que pareça, seus primeiros acertos decorrem da aliança com setores fisiológicos do congresso. A centro-direita aglutinada no centrão é conservadora, mas não fundamentalista como as frações neo-pentecostais que capturaram o governo em seus primeiros meses.

A escolha de Kassio Marques não é um movimento isolado, resultante de uma negociação aleatória. Aos poucos, o presidente está desmontando o estado policial ingenuamente montado pelo PT – que, logo depois, se transformaria em sua principal vítima.

Ao abandonar o politicamente correto, Bolsonaro rompeu a crescente influência das corporações nos rumos da administração. Pôs freio ao poder paralelo - criado por setores do Judiciário e do MP - que impunha rédeas e diretrizes ao governo numa inaceitável substituição ao poder político legitimado pelo voto. Por algum tempo, o Brasil parecia governado por Moro, Dallagnol e sequazes. Todos os demais poderes lhe eram obedientes. Esta lógica parece rompida.

Inicialmente, o presidente contrariou a lista tríplice do MP e indicou Augusto Aras para PGR. O novo Procurador-Geral exerce o cargo em lógica contrária ao personalismo lavajatista, que criou falsos redentores da moral pública.

O politicamente correto impedia sequer o debate sobre a possibilidade de um outro nome cujas ideias se aproximassem dos eixos centrais de atuação do governo eleito. Tal era a pressão das corporações que a presidência da república não podia exercer a prerrogativa constitucional de escolher livremente o Procurador-Geral.

O cumprimento da lei era tomado como afronta ou tentativa de aparelhamento da máquina. O aceite tácito desta regra não escrita produziu um aparelhamento às avessas. As corporações capturaram o governo, fragilizando-o, incialmente, para depois derrubá-lo, com a ajuda do congresso, no golpe contra Dilma Roussef.

Ingenuamente, antes, Dilma Roussef sancionou a lei das delações premiadas sem uma tipificação minuciosa de sua aplicação, deixando brechas para se transformar num instrumento de arbítrio.

Tosco, o presidente contudo consegue acertar quando dobra-se ao diálogo e se permite exercer o poder através da negociação. Ao fazer política, ainda que de forma um tanto destrambelhada, cresce naturalmente a chance de alguma coisa dar certo em seu governo. Negociar é sempre melhor do que sucumbir às orientações de bruxos e de pastores que pregam um retrocesso à moral medieval.
*Ricardo Bruno é jornalista