Cid Curi - Opinião O DIA  - divulgação
Cid Curi - Opinião O DIA divulgação
Por Cid Curi*
Moto-contínuo é uma máquina hipotética que realizaria movimento ou trabalho infindável sem receber outra energia além da usada para dar a partida. A ciência já demonstrou que a existência desse equipamento é impossível, pois infringe leis da física. Contudo, alguns dirigentes “descobriram” o moto-contínuo financeiro, um expediente realizado pelo poder público que lhe permitiria fazer os investimentos sem dinheiro.

No caso do saneamento básico, o que se divulga é enganador: o Estado, por não ter dinheiro para universalizar os serviços, vende a concessão por 30 anos, estabelece no edital e no contrato que a empresa que assumir tem de fazer o que falta, majoritariamente em áreas sem retorno financeiro, e após três décadas tem de devolver ao governo com tudo feito. No entanto, em cerca de 300 cidades, essa forma foi testada e não funcionou. O poder público teve que reestatizar, com grande prejuízo. Comprovou-se que o moto-contínuo financeiro, assim como Papai Noel, não existe.

O Rio de Janeiro não precisa desse moto-contínuo inexistente. Após ter a imunidade tributária garantida pelo Supremo Tribunal Federal e deixar de pagar imposto de renda, a Cedae elevou o seu lucro para R$ 1,1 bilhão. É um lucro público, que não vai para o bolso de um concentrador de renda privado. Vai ser usado para atingir a universalização do saneamento em regiões sem retorno financeiro.

A troca de mão do lucro explica porque mais de 100 cidades da França e cerca de 60 dos Estados Unidos reestatizaram o saneamento básico: as empresas privadas simplesmente não cumpriam as metas de novos investimentos estabelecidas nos editais e contratos.

Parte da mídia faz o lóbi da privatização argumentando ser diferente agora, pois as metas estão no edital e no contrato e terão que ser cumpridas. “Não tem jeito, estão no papel”. Narrativa enganosa. Onde houve privatização no mundo todo, também “estavam no papel”.

Mas o “papel” é só o trágico canto da sereia, não solucionou nada. Depois que pega o osso, a empresa privada quer só lucrar, então, judicializa e não investe. A empresa privada não vai fazer o que é obrigação do Estado. Cada qual faz a sua parte. E, como o “papel” não soluciona, o moto-contínuo financeiro não tem como existir.

A Cedae, além de lucrar R$ 1,1 bilhão, recebeu, em 2017 e 2018, o prêmio de “Melhor Empresa de Infraestrutura do Brasil”. Reconhecimento que mostra que a solução para se alcançar a universalização dos serviços está na Cedae, pública, seguindo o Plano Diretor de Saneamento Básico, realizando investimentos nas áreas sem retorno financeiro com fundos equacionados no âmbito da própria Cedae.

O Projeto de Lei 2912/2020, da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), vai na linha de aplicação do lucro da companhia nas áreas necessitadas. O ambiente na Assembleia favorece a utilização do lucro da Cedae pública no avanço do saneamento básico para o bem-estar da população e diminuição dos gastos na área da saúde. Hoje, como sempre, a Alerj não falta às necessidades da população.
*É engenheiro sanitarista e ex-presidente da Cedae