João Batista Damasceno Divulgação
Por João Batista Damasceno*
Publicado 16/01/2021 05:00
Tanto em Direito como em Ciência Política o Estado é definido como o detentor do monopólio da violência legítima no âmbito de um território. Tal conceito expressa a tradicional ideia de que o Estado é a nação politicamente organizada. Se a nação é um conjunto de pessoas identificadas por valores comuns, o estabelecimento de laços de sociabilidade para a convivência pode resultar na instituição do poder público, denominado Estado. Diz-se assim que os elementos de um Estado são povo, território e governo. Há quem incluía como elemento identificador de uma nação ou Estado a finalidade da coexistência e as aspirações comuns.
O Estado não se assenta exclusivamente na força. Se pretendesse se instituir apenas com a repressão propiciaria as resistências, as insurreições e sua própria derrocada. O Estado contemporâneo se institui com três instrumentos: a edição de leis com as quais justifica sua atuação, a cobrança de impostos e a instituição de uma força pública. Lei, bolsa e cacete são os fundamentos de qualquer Estado.
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A lei é o que legitima e dá o fundamento ideológico com o qual se exercitam as violências contra as liberdades e os patrimônios. Não foi sem razão que, na Inglaterra em 1215, os barões que deram o golpe em Ricardo Coração de Leão, obtiveram do usurpador João Sem Terra a edição da Carta Magna que lhes assegurou garantias quanto às suas liberdades e seus bens. Não há crime nem tributo sem lei que antes os definam.
Mas no Brasil, desde a ocupação pelos portugueses, se buscou a dominação pela força ou pelo convencimento religioso. “Entre a cruz e a espada” era a alternativa dos dominados. A partir de 1822 o Imperador D. Pedro I se apoiava no Exército, a pretexto de consolidar a Independência. Mas, com o golpe de 7 de abril de 1831 a Regência buscou enfraquecer o Exército e o ministro da Justiça, Regente Feijó, recenseou as milícias e lhes deu postos de oficialidade. Assim, surgiu a Guarda Nacional, comandada em cada localidade por um coronel que tinha sob suas ordens os “cabras” ou “jagunços” que sustentaram o Império e a escravidão até 1888.
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Em 1889 foi proclamada a República, num golpe de Estado desferido pelo Exército, fortalecido na Guerra do Paraguai. Campos Sales, ministro da Justiça, concluiu que o Exército poderia dar o golpe de Estado e proclamar a República, mas a governabilidade e controle social demandariam capilaridade que somente os fazendeiros e seus jagunços poderiam garantir. Assim, criou as bases para o Coronelismo, regime que vigeu até a Revolução de 1930. Igualmente foi Campos Sales quem institucionalizou o Ministério Público e por isso é seu patrono.
Com a instituição da federação cada estado ganhou autonomia para organizar autonomamente os seus serviços. É o que dispõe a Constituição da República. Cada estado pode instituir sua polícia civil com atribuição de investigar os crimes já praticados e as polícias militares, ostensivas e com atribuição preventiva. No presente momento tramitam no Congresso Nacional projetos de Lei Orgânica das polícias Civis e Militares, que pretendem subtrair a competência dos governadores na liberdade para nomear e destituir os chefes das respectivas polícias, além de criar um Conselho Nacional vinculado à União. Os projetos são inconstitucionais.
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Compete aos estados organizar os seus serviços. Lei que disponha de forma diversa viola o princípio federativo. Nem mesmo emenda constitucional poderia retirar tais poderes dos Estados Federados. As emendas constitucionais 103 e 104 editadas em 2019 possibilitam que a União estabeleça normas gerais de organização das polícias militares e corpos de bombeiros militares. Mas, aos estados compete organizar os seus serviços e mesmo a emenda constitucional que dispuser de forma diversa será inconstitucional. A centralização que se pretende pode resultar num perigoso pacto entre o poder central e o mandonismo local, em prejuízo das liberdades públicas.
 *É professor da Uerj e doutor em Ciência Política
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