Publicado 30/01/2021 06:00
A semana foi tomada pelos comentários sobre as despesas com aquisição de leite condensando e chiclete pelo governo federal. Nenhum veículo de comunicação atribuiu qualquer responsabilidade pessoal ao presidente da República. Mas, não faltou manifestação do presidente em tom incompatível com a dignidade do cargo. Se foram gastos mais de R$ 2 milhões de reais na compra de chiclete isto deve ser esclarecido. Ao custo de R$ 0,20 por unidade, teriam sido adquiridos mais de vinte milhões de chicletes. Em leite condensado foram gastos cerca de R$ 15 milhões.
Publicado o assunto polêmico, o Portal da Transparência foi retirado do ar. Uma República se fundamenta no princípio da publicidade a fim de que os cidadãos possam fazer escolhas e influir nas decisões sobre o que é público.
O montante pago pelo leite condensado é cinco vezes mais que tudo que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) recebeu, em 2020, para fazer o monitoramento por satélite de toda a Amazônia, Pantanal e demais regiões do país. Nos últimos dois anos, o Inpe, o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) tiveram seus orçamentos reduzidos, o que comprometeu a capacidade de o governo realizar ações estruturais de proteção, fiscalização e combate do desmatamento nas florestas nacionais. A Amazônia registrou, no ano passado, volume recorde de queimadas. O Brasil vive em permanente expansão das fronteiras agrícolas e as terras públicas vivem sendo griladas.
E espantoso o desmonte que tem sido promovido dos órgãos públicos. O SUS, sistema imprescindível à vida dos brasileiros, está sendo sucateado. E isto somente atende aos que comercializam saúde. Mas, saúde não é mercadoria. É direito. Já morreram mais de 220 mil brasileiros de Covid-19 e ainda não temos um plano nacional de vacinação.
Simultaneamente o governo federal anuncia a possibilidade de autorização da importação pelas clínicas privadas. Um projeto de vacinação privado poderá dar lucro aos importadores e clínicas privadas. Mas, poderá causar dano à combalida economia, pois empresários teriam que custear a vacinação de seus empregados para retomada do trabalho. Além disto, deixaria no desemparo a maioria da população brasileira, inclusive os milhões de desempregados. Somente quem pudesse pagar poderia se imunizar. É desumano.
Em plena pandemia, Índia e África do Sul, propuseram na Organização Mundial do Comércio (OMS) a quebra das patentes da vacina. Assim, qualquer país poderia fabricar a vacina, sem licenciamento da indústria farmacêutica ou obrigação de pagar royalties. Mas, o governo do presidente Jair Bolsonaro, aliou-se aos Estados Unidos e aos interesses da indústria farmacêutica e apresentou oposição aberta à quebra das patentes, apresentada pela Índia. O Brasil abandonou a defesa histórica da quebra das patentes farmacêuticas que muito já beneficiou o povo brasileiro.
Como se a vida humana não importasse, o governo federal não dá resposta ao Instituto Butantan sobre a compra da CoronaVac. O instituto diz poder vender para países vizinhos, se o Ministério da Saúde não apresentar interesse. O Butantan remeteu ofício na semana passada questionando a pasta e não teve retorno. No dia D e na hora H, talvez o ministro responda. Mas, poderá ser tarde. Não há cronograma para aquisição aplicação pelo SUS, mesmo diante da gravidade da situação. “Todos os países que o Butantan tem acordo aqui da América Latina estão nos cobrando um cronograma. Se houver a confirmação do Ministério da Saúde, teremos um planejamento para produzir mais 40 milhões para os países vizinhos. Se não tiver, vamos dirigir essas 54 milhões de doses aos países vizinhos”, disse o diretor do Butantan, Dimas Covas, em entrevista, dia 27.
Diante da inércia não é razoável perguntar se há governo, mas a quem ele serve. As clínicas privadas jamais admitirão o gozo com o projeto em curso. É um projeto genocida com qual se lucra em sigilo. A quem o governo serve?
*É professor da Uerj e doutor em Ciência Política
Leia mais
Comentários