deputada federal Soraya Santos (PL-RJ)Agência Câmara

Por Soraya Santos*
Por ocasião do Dia Internacional da Mulher, as campanhas e homenagens de 2021 vieram com feições um pouco diferentes. Agora, a exaltação do papel feminino no lar ganhou um elemento novo: a mulher, mãe e esposa, encontra-se também serena e plena, amorosa e eficiente, em home office. A romantização é nociva em inúmeros graus e, pela saúde emocional de todas as mulheres, nós temos o dever de problematizá-la.
Ninguém contesta que a implantação acelerada deste novo modelo veio para ficar e revolucionar a forma como a humanidade se organiza nas relações de trabalho. E isso é extremamente positivo em aspectos muito relevantes, como a sustentabilidade das cidades; a autonomia de uma geração que se insere no mercado e que valoriza a flexibilidade do home office; os impactos em mobilidade urbana e a desburocratização de diversos processos, com ganhos de tecnologia e conectividade.
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Mas, se a mudança é inevitável, o que se nota também é que, mais uma vez, as demandas e necessidades das mulheres, nesta transição para uma nova realidade, ficaram invisibilizadas e – o que é pior – ofuscadas por uma idealização opressora.
A propagação massiva do ideal inatingível de mulher chegou na versão home office e veio representada pela mãe que conseguiu sucesso em conciliar sua presença em casa com o cuidado de si mesma, a gestão do lar, a atenção aos filhos, a tarefa de suporte escolar telepresencial e o seu próprio desempenho profissional.
Filhos invadem a reunião virtual de um pai? Prontamente se tem um vídeo viral, recheado de “fofurices”. E se isso ocorre com uma mãe? Ela é desorganizada, pouco profissional, não soube impor limites, não está sabendo lidar com as demandas do trabalho. Suscitar essa reflexão se tornou uma tarefa delicada na realidade atual, em que situações extremamente sérias podem ser taxadas de “mimimi” e em questão de segundos se verem completamente esvaziadas de adesão e apoio.
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Mas o convite à comparação está aí para ser testado, seja ativando a memória, seja passando a observar daqui para frente. Sem medo de errar eu reafirmo: a condescendência com homens em falhas e dificuldades típicas de home office é bem diferente da cortesia que se estende às profissionais mulheres.
A nova paixão pelo trabalho em casa é compreensível. O trânsito do dia a dia é um dos grandes gatilhos de estresse na atualidade. O momento em que a pessoa se encontra mais produtiva e criativa não é necessariamente na janela de sua engessada jornada de trabalho. As tarefas cujo cumprimento independe de presença física podem tranquilamente ser desempenhadas de pijamas. Mas o que aconteceu com as mulheres que, sem prévia preparação, trouxeram seus trabalhos para casa, cumulando-os, no mesmo ambiente, com todos os outros tipos de trabalho que lá já existiam?
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É possível uma mulher afixar placa de “por favor não perturbe”, na porta de um cômodo, e assim seguir trabalhando, sem ser interrompida? Sem ser acionada para solucionar uma urgência dos filhos que estão estudando ao lado, ou que estão com fome, ou que estão achando a internet lenta demais?
Home office, para muitas mulheres, é apenas um nome sofisticado para uma exaustão adicional, em cima de uma dupla jornada, que já era exaustiva, mas que tinha ao menos uma separação de ambientes e horários.
E é irônico pensar isso, quando se lembra que o 8 de março veio justamente para enaltecer uma luta histórica, que tinha como um dos pontos centrais a união de mulheres exigindo melhores condições de trabalho e jornadas razoáveis, já que muitas eram submetidas a até 16 horas ininterruptas de trabalho.
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Sempre que se fala sobre a urgência de a sociedade, como um todo, estruturar ambientes e modelos de trabalho que recepcionem a mulher em todas as suas necessidades, aparece um “gênio” para dizer que isso irá, na verdade, expulsar as mulheres do mercado, gerar algum tipo de preconceito generalizado na contratação feminina e fechar oportunidades de trabalho para profissionais mulheres.
Esta é uma das falácias mais odiosas e intelectualmente desonestas, porque o argumentante desconsidera que a mulher trabalha para sustentar famílias e, com isso, sustenta também inúmeros mercados essenciais, inclusive o da saúde. Desconsidera que milhares de mães são arrimo de família no Brasil e, quando não é este o caso, desconsidera que, se a mulher não complementa renda dentro de casa, o homem é que tem que dobrar jornadas para garantir o sustento do lar. Desconsidera, inclusive, que a profissional mulher é esmagadora maioria entre os profissionais de enfermagem nesta linha de frente, contra a pandemia.
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Desconsidera, por fim, que as sociedades se organizam de forma holística, e que, em um modelo ideal, homens e mulheres precisam encontrar concessões e benefícios, que considerem as realidades, que tragam luz às injustiças que precisam ser reparadas e que criem um mercado de trabalho sustentável e saudável, para o longo prazo.
A história nos mostra o quanto a mulher protagoniza em momentos de provação. Nesta pandemia não foi diferente. Seja em casa, atenta à saúde e aos cuidados preventivos de todos que a cercam; seja no trabalho, trazendo sustento, em um momento de desesperança e grave recessão; seja na linha de frente, atendendo os pacientes, muitas vezes em detrimento do seu próprio convívio familiar; seja na ciência, campo onde mulheres brasileiras estão dando aula de seriedade, profissionalismo, dedicação à pesquisa e compromisso com a ética; seja, também, no Legislativo, espaço onde mulheres representantes do povo lideraram medidas de enfrentamento à pandemia e auxílio à população, que foram essenciais para se garantir dignidade e sustento a inúmeras famílias.
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Por isso mesmo, é fatalmente equivocado pensar na irreversibilidade da flexibilização de presença física no local de trabalho, sem colocar em foco as necessidades específicas de apoio à mulher que trabalha em casa. Não existe, na verdade, home office para as mulheres. É home e office, tudo junto, ao mesmo tempo. A mulher está muito mais demandada e desgastada, mas, muitas vezes, está também inibida de assim de se manifestar, por conta de uma avalanche de cobranças, em cima de outra avalanche de comparações. Essa é uma das lutas mais importantes para o 8 de março de 2021. Que fiquem de lado as idealizações. A realidade, sozinha, já é muito impressionante. A mulheres brasileiras já ocupam um espaço de protagonismo e sustento em todos os setores da economia e da vida. A mulher, há muito tempo, é profissional essencial. É linha de diversas frentes.

*É advogada e deputada federal pelo PL-RJ
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