Rafael Barretto
Professor de Direito Constitucional e de Direitos Humanos. Escritor. Mestre em Direito Público.
Rafael Barretto Professor de Direito Constitucional e de Direitos Humanos. Escritor. Mestre em Direito Público. Divulgação
Por Rafael Barretto*
O Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento ocorrido em sessão recente, no dia 08 de abril, validou decreto editado pelo governador de São Paulo que, visando instituir medidas de contenção à transmissão do coronavírus, vedou, temporariamente, a realização de cultos, missas e demais atividades religiosas de caráter coletivo. A Corte firmou entendimento de que, em razão da pandemia, governadores e prefeitos podem restringir temporariamente a realização de atividades religiosas coletivas presenciais.
Sem adentrar no mérito da decisão, que suscita grandes questões constitucionais, é importante esclarecer que a decisão não autoriza governadores e prefeitos a, ad abrupto, determinarem o fechamento das Igrejas e demais templos religiosos por todos os rincões do país. O STF não deu uma “autorização genérica” a gestores públicos para fecharem templos religiosos pelo país. A Corte destacou que a situação concreta e específica de cada territorialidade deve balizar a atuação do gestor público.
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Assim, a proibição de realização de atividades religiosas coletivas só pode ocorrer se ficar demonstrado, em concreto, que, naquele específico município ou estado, os índices de contaminação, e as condições de atendimento de Saúde, justificam a medida restritiva. Além disso, é preciso que fique evidenciado que a adoção de outras medidas sanitárias, como limitação do número de indivíduos, distanciamento social, uso de máscaras e de álcool gel, seja insuficiente para combater a transmissão do vírus.
O direito ao culto coletivo público, que está contido no direito à liberdade religiosa, é um direito fundamental, previsto no Art. 5º, VI, da Constituição, e, como tal, somente pode sofrer limitações que se demonstrem estritamente necessárias, e que se demonstrem menos gravosas que outras medidas. Outro ponto que comporta reflexões jurídicas importantes é que a questão, que agora está pacificada no Supremo Tribunal Federal, pode eventualmente ser levada a órgãos internacionais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
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Isso porque a legislação internacional autoriza o estabelecimento de restrições ao direito à liberdade de religião, mas proíbe a suspensão do direito. A discussão, perante um órgão internacional, seria avaliar se a medida de fechamento de igrejas configura uma restrição ao direito, ou uma efetiva suspensão temporária do direito.
A título ilustrativo, a Convenção Americana sobre direitos humanos, conhecida como Pacto de San José de Costa Rica, prevê que a liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças pode ser submetida a limitações prescritas pela lei e que sejam necessárias para proteger a Saúde (Art. 12.3), mas estabelece que esse direito não pode ser suspenso nem em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado (Art. 27.1).
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A pergunta seria: a medida de um gestor público que proíbe o culto coletivo viola o Pacto de San José de Costa Rica? Essa é uma questão que suscita discussões jurídicas interessantes, e que só teremos resposta efetiva algum dia se o tema vier a ser levado ao órgão internacional, em caso envolvendo o Brasil ou qualquer outro Estado parte da Convenção.
Os cultos não estão proibidos hic et nunc. As igrejas podem funcionar abertamente, adotando medidas de proteção sanitária, exceto aonde o prefeito ou governador proibirem, mediante ato normativo fundamentado em critérios científicos, e que demonstre, em concreto, com base em índices, a estrita e temporária necessidade sanitária de proibição de atos religiosos coletivos nos templos. E, nessas localidades, os cidadãos que entenderem que a fundamentação adotada pelo gestor não se comprova, podem submeter o tema ao Poder Judiciário. A avaliação será feita em cada caso concreto.
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Rematando, enfatizo que a decisão judicial há de ser cumprida, e o que se espera de pessoas de fé, que primam pela paz e urbanidade, cristãos ou de outra matriz religiosa, é que cumpram ordeiramente a decisão do Supremo Tribunal Federal, o que não significa dizer que a decisão judicial não possa ser questionada e debatida pelas vias democráticas, seja por meios judiciais próprios, ou até nos canais políticos, buscando um eventual backlash. O debate é próprio da democracia, e é legítimo que as pessoas defendam suas posições nos canais adequados.
*É professor de Direito Constitucional e de Direitos Humanos. Escritor. Mestre em Direito Público.