Publicado 09/10/2021 06:00
Depois de 21 anos da ditadura empresarial-militar, que durou de 1964 a 1985, setores sociais diversos se aglutinaram na transição para uma nova ordem político-jurídica. Desde o início do governo Geisel, em 1974, as bases para a transição estavam sendo implementadas. Em 1979 aquele general-presidente transmitiu o poder a outro general, João Figueiredo. Mas, não sem editar no último dia do seu governo a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).
No governo Figueiredo foi negociada com as forças políticas majoritárias a lei da anistia, a extinção dos dois partidos políticos existentes e a possibilidade de criação de novos partidos. Em 1982 retomamos a eleição direta para governador e foi revogada a possibilidade da existência de senadores biônicos, ocupantes do cargo sem o voto popular. Em 1985, por eleição indireta do Congresso Nacional, foi eleito o primeiro presidente civil desde 1960. Somente em 1989 tivemos eleição direta.
Durante o governo Figueiredo grupos encastelados no poder, com práticas terroristas, colocavam bombas em instituições democráticas, dentre as quais, redações e bancas de jornais, a OAB, a ABI e a Câmara de Vereadores do Rio. Na noite de 30 de abril de 1981 uma bomba explodiu, dentro de um carro estacionado, no colo de dois militares que colocariam bombas durante show no Riocentro, que poderia ter causado a morte de milhares de jovens. Aquele acidente de trabalho desnudou a origem dos terroristas e foi a última tentativa de impedirem, por meio de bombas, a abertura política.
Em 1986, a sociedade brasileira elegeu deputados e senadores que se reuniram em Assembleia Nacional Constituinte e editaram em 5 de outubro de 1988 uma Constituição. Foi uma assembleia porque se tratou de uma reunião de representantes da sociedade e não um ajuste de agentes do Estado para mudar abruptamente a ordem constitucional, como aconteceu com a edição da Emenda Constitucional nº 1 de 1969, outorgada pelos três ministros militares, nem como a emenda que reformou o Judiciário por decreto presidencial em abril de 1977, durante fechamento das casas parlamentares.
Foi nacional porque reuniu a nação, conjunto de pessoas identificadas pelo sentimento de brasilidade. E foi constituinte, porque constitui um novo estatuto jurídico para pautar as relações entre Estado e sociedade. Tratou-se da mais benigna Constituição da história do Brasil.
A Constituição de 1988 pretendeu instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a Justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias; dispôs que os fundamentos da República brasileira são a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.
Quanto aos poderes públicos estabeleceu que sejam independentes e harmônicos entre si e quanto aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil almejou construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Mas o pacto social do qual resultou a Nova República e a Constituição de 1988 se rompeu. Para minorar as perdas causadas ao capital pelas crises do próprio sistema, a Constituição já foi emendada 111 vezes e outras emendas visando a subtrair direitos dos trabalhadores estão em curso. E do que ainda resta vigente da Constituição originária buscam-se fazer letra morta. Afinal, uma Constituição é aquilo que dela fazemos na prática e os direitos e garantias fundamentais, individuais e sociais, estão sendo a cada dia mais relegados a segundo plano, inclusive as garantias à magistratura responsável por assegurá-los.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política (UFF), professor adjunto da UERJ e desembargador do TJ/RJ membro do colegiado de coordenação regional da Associação Juízes para a Democracia/AJD-RIO.
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