Publicado 28/11/2021 07:00
Fui ao chão. Um tropeço e os desequilíbrios. E a queda. E as machucaduras. Olhei para mim e providenciei atitudes práticas. Levantar. Lavar as mãos e as dores. Trocar o rasgado das roupas e prosseguir o dia.
Do chão, pensei nada. Pensei de mim. Por que caí novamente? Onde estava quando não percebi o que estava diante de mim? Era distração, apenas, ou um ruminar de mágoas?
O sol do dia da queda apresentava um tempo bonito. Em mim, o tempo era o da morte de um tempo. Fui demitido. Injustamente demitido. Cuidei dos afazeres e descuidaram de mim. Não. Não quero prosseguir ruminando. Basta ter caído. Basta ter me machucado.
A água com que me lavei, depois de levantado, era de uma torneira da praça pública. Abaixo de um coreto. Em frente à Igreja de São Sebastião. Enquanto me lavava, ouvia cânticos vindos de dentro. E ouvia passados. Não foi a primeira vez que caí e que me machuquei. Não foi a primeira vez que me abati e que me distraí com ruminações desnecessárias.
Do coreto, me lembro da música e me lembro de Beatriz. Os anos vão nos roubando dias felizes. Beatriz se foi sem muitas despedidas. Talvez não sentisse o que eu sentia. Ou talvez não soubesse. Morri naquele 15 de janeiro. Nas pequenas cidades, as notícias correm grande. E foi minha mãe quem avisou que ela estava indo em definitivo. Lembro-me do sentar na praça do coreto e da torneira de água e da incompreensão da partida.
Tínhamos os dois 15 anos. E tínhamos apenas nos atrevido a beijar. Três vezes. A primeira, em uma festa de aniversário. A segunda, no último dia de um carnaval. E a terceira, quando me disse nada poder fazer sobre a partida. Era menino demais para saber a morte. As tantas mortes que morremos antes da morte definitiva.
Falamos pouco depois que ela se foi. Nunca tive coragem para dizer o amor a ela. Nunca. No meu aniversário de 16 anos, ela ligou. No de 17, também. Depois, o silêncio.
Já acreditei e já desacreditei de amor único. Já assumi a existência do destino e já discordei do que havia assumido. Quis mudar de cidade. Quis experimentar uma outra vida. Quis deixar de me amar em tantas e me entregar a apenas uma. De querência em querência, fui ficando e fui me distraindo com a vida. E, então, caí.
Anos depois, soube dos filhos de Beatriz. Um leva o nome do pai, João Henrique, um marido arranjado entre famílias ricas. O outro leva um nome parecido com o meu, Mateus. O meu é Marcos. Talvez tenha ela pensado em me fazer um agrado e achou por bem o disfarce. Só eu saberia. Só eu ligaria o que nos une. Pensei em dizer algum cumprimento. Desisti.
Nas desistências, conheci mulheres que iam emprestando prazer. Emprestando, apenas. Em definitivo, só Beatriz. Longe e minha.Como o que eu oferecia terminava, fazia com a atitude de um artesão. Cuidadoso com as mãos. Cioso de cada movimento. Generoso ao compreender o tempo do término da obra. E, então, me aprontava para sair daquela vida. Fiz nascer sofrimentos. E desapercebi o quanto de bonito há na piedade.
Sou peregrino dos encontros que ainda estão por vir. Não me satisfaço em permanecer. Sento na praça e respiro a cidade que conheço. E, depois, me levanto rumo ao que desconheço. Perder o emprego dói menos do que me perder de mim. Vou arrumar outro. Outro emprego. Outro eu, não. Não há como. Mesmo já tendo desejado. Mesmo já tendo explicado para mim mesmo que de mim desisti. O sangue da queda sangra menos do que o futuro sem colheitas. É isso o que penso. Nada plantei.
Do banco da praça, a música que vem da Igreja se mistura à sombra que uma árvore que me viu desde criança me oferece. Olho para o seu tronco e respiro a sua força. Vejo os ramos que descem e que enfeitam as passagens das pessoas. A silente árvore sabe do que senti e do que sinto. Um cachorro vem brincar comigo. Eu ofereço um pequeno agrado e ele agradece. Esses cotidianos de simplicidade me aliviam, momentaneamente, os pensamentos que depois ressurgem reclamando ausências.
Ainda tenho tempo para organizar outra vida. A vida só acaba quando acaba. Bebo da água da torneira que dizem limpa. E me preparo para conquistar outro tempo. Faço segredos da idade que tenho. Tenho a que quero e pronto. O resto, sobre a idade e sobre inclusive o que não sei, só a velha árvore sabe.
Do chão, pensei nada. Pensei de mim. Por que caí novamente? Onde estava quando não percebi o que estava diante de mim? Era distração, apenas, ou um ruminar de mágoas?
O sol do dia da queda apresentava um tempo bonito. Em mim, o tempo era o da morte de um tempo. Fui demitido. Injustamente demitido. Cuidei dos afazeres e descuidaram de mim. Não. Não quero prosseguir ruminando. Basta ter caído. Basta ter me machucado.
A água com que me lavei, depois de levantado, era de uma torneira da praça pública. Abaixo de um coreto. Em frente à Igreja de São Sebastião. Enquanto me lavava, ouvia cânticos vindos de dentro. E ouvia passados. Não foi a primeira vez que caí e que me machuquei. Não foi a primeira vez que me abati e que me distraí com ruminações desnecessárias.
Do coreto, me lembro da música e me lembro de Beatriz. Os anos vão nos roubando dias felizes. Beatriz se foi sem muitas despedidas. Talvez não sentisse o que eu sentia. Ou talvez não soubesse. Morri naquele 15 de janeiro. Nas pequenas cidades, as notícias correm grande. E foi minha mãe quem avisou que ela estava indo em definitivo. Lembro-me do sentar na praça do coreto e da torneira de água e da incompreensão da partida.
Tínhamos os dois 15 anos. E tínhamos apenas nos atrevido a beijar. Três vezes. A primeira, em uma festa de aniversário. A segunda, no último dia de um carnaval. E a terceira, quando me disse nada poder fazer sobre a partida. Era menino demais para saber a morte. As tantas mortes que morremos antes da morte definitiva.
Falamos pouco depois que ela se foi. Nunca tive coragem para dizer o amor a ela. Nunca. No meu aniversário de 16 anos, ela ligou. No de 17, também. Depois, o silêncio.
Já acreditei e já desacreditei de amor único. Já assumi a existência do destino e já discordei do que havia assumido. Quis mudar de cidade. Quis experimentar uma outra vida. Quis deixar de me amar em tantas e me entregar a apenas uma. De querência em querência, fui ficando e fui me distraindo com a vida. E, então, caí.
Anos depois, soube dos filhos de Beatriz. Um leva o nome do pai, João Henrique, um marido arranjado entre famílias ricas. O outro leva um nome parecido com o meu, Mateus. O meu é Marcos. Talvez tenha ela pensado em me fazer um agrado e achou por bem o disfarce. Só eu saberia. Só eu ligaria o que nos une. Pensei em dizer algum cumprimento. Desisti.
Nas desistências, conheci mulheres que iam emprestando prazer. Emprestando, apenas. Em definitivo, só Beatriz. Longe e minha.Como o que eu oferecia terminava, fazia com a atitude de um artesão. Cuidadoso com as mãos. Cioso de cada movimento. Generoso ao compreender o tempo do término da obra. E, então, me aprontava para sair daquela vida. Fiz nascer sofrimentos. E desapercebi o quanto de bonito há na piedade.
Sou peregrino dos encontros que ainda estão por vir. Não me satisfaço em permanecer. Sento na praça e respiro a cidade que conheço. E, depois, me levanto rumo ao que desconheço. Perder o emprego dói menos do que me perder de mim. Vou arrumar outro. Outro emprego. Outro eu, não. Não há como. Mesmo já tendo desejado. Mesmo já tendo explicado para mim mesmo que de mim desisti. O sangue da queda sangra menos do que o futuro sem colheitas. É isso o que penso. Nada plantei.
Do banco da praça, a música que vem da Igreja se mistura à sombra que uma árvore que me viu desde criança me oferece. Olho para o seu tronco e respiro a sua força. Vejo os ramos que descem e que enfeitam as passagens das pessoas. A silente árvore sabe do que senti e do que sinto. Um cachorro vem brincar comigo. Eu ofereço um pequeno agrado e ele agradece. Esses cotidianos de simplicidade me aliviam, momentaneamente, os pensamentos que depois ressurgem reclamando ausências.
Ainda tenho tempo para organizar outra vida. A vida só acaba quando acaba. Bebo da água da torneira que dizem limpa. E me preparo para conquistar outro tempo. Faço segredos da idade que tenho. Tenho a que quero e pronto. O resto, sobre a idade e sobre inclusive o que não sei, só a velha árvore sabe.
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