Publicado 27/12/2021 06:00
Jovem estudante, de 20 anos, é encontrada morta com sinais de asfixia em um terreno baldio. Seu nome, Márcia Barbosa de Souza. O crime ocorreu em 17 de junho de 1998, em João Pessoa, na Paraíba, e o suspeito era o deputado estadual Aércio Pereira de Lima, que foi processado, vindo a ser condenado a 16 anos de reclusão. Essa breve narrativa tem por trás detalhes que expõem disfuncionalidades.
A primeira delas decorre da imunidade parlamentar. A Constituição da República (CRFB), em razão da Emenda Constitucional 35/2001, restringiu o alcance desse instituto. Mas perdura a necessidade de licença da Casa Legislativa para o seguimento da ação penal contra o parlamentar, mesmo em caso de assassinato. Não sendo concedida a licença, a ação penal fica suspensa.
Essa regra é repetida nas Constituições estaduais e, graças a ela, o deputado Aércio conseguiu obter a suspensão da ação penal na qual era réu. Como foi reeleito no pleito de 1998, a suspensão se estendeu pelos quatro anos do que veio a ser seu último mandato.
A segunda disfuncionalidade é fomentada pela primeira, que foi o largo tempo decorrido entre o assassinato da estudante, em 1998, e o julgamento pelo Tribunal do Júri, em 2007, a indicar violação a dispositivo constitucional: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (Artigo 5º, inciso LXXVIII, da CRFB).
Aércio, em fevereiro de 2008, morreu em sua residência, vítima de infarto. Nunca cumpriu a pena a que foi condenado e, diante desse quadro, o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) apresentaram petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
A CIDH admitiu parcialmente a petição e apresentou o “Caso Márcia Barbosa” à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), advindo sentença com recomendações ao Estado brasileiro, entre elas: adequar a lei brasileira para que a imunidade de altos funcionários do Estado fique adstrita aos fins a que se destina, evitando-se que se transforme em obstáculo para a investigação de casos de violações de direitos humanos; e continuar adotando todas as medidas necessárias para o cumprimento integral da Lei Maria da Penha e dispor de todas as medidas legislativas, administrativas e de políticas públicas para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher no Brasil.
Márcia foi morta porque era mulher. Mais uma entre tantas vítimas desse terrível crime de gênero que é o feminicídio, a reclamar especial atenção do Estado brasileiro.
Assim como o “Caso Maria da Penha” deu nascimento à Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que é um marco em favor das mulheres vítimas de violência doméstica, o “Caso Márcia Barbosa” certamente trará mais efetividade à lei e, portanto, maior proteção às mulheres.
Precisamos desses novos mecanismos para a plena realização do princípio da razoável duração do processo e consequente desestímulo à prática de crimes como o que vitimou Márcia Barbosa. Que o cumprimento da sentença da Corte IDH venha logo!
A primeira delas decorre da imunidade parlamentar. A Constituição da República (CRFB), em razão da Emenda Constitucional 35/2001, restringiu o alcance desse instituto. Mas perdura a necessidade de licença da Casa Legislativa para o seguimento da ação penal contra o parlamentar, mesmo em caso de assassinato. Não sendo concedida a licença, a ação penal fica suspensa.
Essa regra é repetida nas Constituições estaduais e, graças a ela, o deputado Aércio conseguiu obter a suspensão da ação penal na qual era réu. Como foi reeleito no pleito de 1998, a suspensão se estendeu pelos quatro anos do que veio a ser seu último mandato.
A segunda disfuncionalidade é fomentada pela primeira, que foi o largo tempo decorrido entre o assassinato da estudante, em 1998, e o julgamento pelo Tribunal do Júri, em 2007, a indicar violação a dispositivo constitucional: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (Artigo 5º, inciso LXXVIII, da CRFB).
Aércio, em fevereiro de 2008, morreu em sua residência, vítima de infarto. Nunca cumpriu a pena a que foi condenado e, diante desse quadro, o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) apresentaram petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
A CIDH admitiu parcialmente a petição e apresentou o “Caso Márcia Barbosa” à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), advindo sentença com recomendações ao Estado brasileiro, entre elas: adequar a lei brasileira para que a imunidade de altos funcionários do Estado fique adstrita aos fins a que se destina, evitando-se que se transforme em obstáculo para a investigação de casos de violações de direitos humanos; e continuar adotando todas as medidas necessárias para o cumprimento integral da Lei Maria da Penha e dispor de todas as medidas legislativas, administrativas e de políticas públicas para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher no Brasil.
Márcia foi morta porque era mulher. Mais uma entre tantas vítimas desse terrível crime de gênero que é o feminicídio, a reclamar especial atenção do Estado brasileiro.
Assim como o “Caso Maria da Penha” deu nascimento à Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que é um marco em favor das mulheres vítimas de violência doméstica, o “Caso Márcia Barbosa” certamente trará mais efetividade à lei e, portanto, maior proteção às mulheres.
Precisamos desses novos mecanismos para a plena realização do princípio da razoável duração do processo e consequente desestímulo à prática de crimes como o que vitimou Márcia Barbosa. Que o cumprimento da sentença da Corte IDH venha logo!
Wagner Cinelli de Paula Freitas é desembargador do TJRJ e autor do livro “Sobre ela: uma história de violência”
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