Por gabriela.mattos

Rio - Enquanto a cidade aguarda com festa a abertura da Olimpíada, uma cena macabra se desenvolve nos leitos de hospitais públicos do Rio de Janeiro. Pacientes internados, que visivelmente necessitam de cuidados médicos, estão sendo removidos sorrateiramente. Um dos casos aconteceu no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, em Acari, no início da noite de terça-feira. Uma senhora de 70 anos, que há um mês ocupava a Unidade Intensiva (UI) após sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC) isquêmico, recebeu alta, apesar do protesto de parentes.

Uma filha da idosa apelou, alegando que não tinha como levar a mãe para casa naquele estado. A resposta da equipe médica foi imediata. Logo surgiu uma ambulância para fazer o serviço e a senhora enferma foi despachada do hospital.

A paciente, Mirella Gonçalves, que nasceu na Itália, mas vive no Rio desde criança e aqui formou família e criou os filhos, exalava mau cheiro, o que deixou parentes intrigados. “Quando fomos trocar o curativo das costas dela, nos deparamos com a causa”, contou um parente. A imagem era perturbadora. A região das nádegas da idosa estava praticamente necrosada, em função das escaras, resultantes do longo período que ela ficou deitada de barriga para cima. As imagens das feridas, às quais O DIA teve acesso, são chocantes e, por respeito à dignidade humana, não serão divulgadas.

Acionada, a Defensoria Pública do Estado interveio e conseguiu a reinternação da idosa, cujo estado era tão grave que ela deve ser submetida a cirurgia ainda hoje. “A gente não sabe o motivo da alta, mas foi prematura e o hospital reconheceu o erro”, disse a defensora Thaísa Guerreiro. “Funcionários contaram que a ordem era abrir vagas para a Olimpíada”, contou um parente da idosa. A Secretaria de Saúde nega, em nota. “É importante ressaltar que o Hospital Municipal Ronaldo Gazolla não é unidade de referência para as Olimpíadas e não procede qualquer informação vinculada a este caso e à operação do evento”.

‘Reserva viola a dignidade humana’

“A reserva de leitos hospitalares para o evento olímpico viola a dignidade humana e o direito à saúde consagrado na Constituição Federal”, critica o presidente do Sindicato dos Médicos do Rio, Jorge Darze. Defensor dos princípios éticos da atividade médica, Darze tem se insurgido contra a postura da rede federal de saúde, que vem mantendo leitos desocupados à espera de possíveis pacientes olímpicos, enquanto a população pobre sofre com a falta de atendimento. “Isso é, no mínimo, uma aberração jurídica”, afirma Darze, que espera uma atitude tanto do Cremerj, quanto do Ministério Público. “Eles têm que apurar”, diz.

Coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva da Defensoria Pública do Estado, a defensora Thaísa Guerreiro informou que o órgão vai fiscalizar os hospitais durante os Jogos Olímpicos, para tentar evitar a transgressão. “Vamos visitar tanto os hospitais referenciados, quanto os que não são”, garante, reforçando que a reserva de vagas é irregular. Mais do que isso, é cruel e desumana.

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