Por tabata.uchoa

Rio - O número de fuzis apreendidos de janeiro a agosto deste ano pelas polícias Civil e Militar, no Rio, já supera em 75% o total desse armamento encontrado em igual período de 2016. O cálculo foi feito com os dados do Instituto de Segurança Pública. Nos oito primeiros meses de 2016 foram 198 fuzis apreendidos; em 2017, no mesmo período, 347.

O delegado Fabrício Oliveira, titular da Delegacia Especializada em Armas, Munições e Explosivos, afirma que um dos fatores para a entrada desse tipo de arma é "a fragilidade de nossas fronteiras". O fluxo dessas armas, ainda segundo Oliveira, segue o mesmo padrão nos últimos dez anos: pela fronteira, portos e aeroportos. "Para diminuir a entrada de armas ilícitas no Brasil é necessário um grande investimento em investigação e inteligência policial, bem como na fiscalização das mercadorias que ingressam no país", opinou.

Um total de 60 fuzis apreendidos no Aeroporto do Galeão%3A especialistas dizem que o tráfico de armas se aproveita de falhas na fiscalizaçãoMárcio Mercante / Agência O Dia

Segundo Vinícius Cavalcante, especialista em segurança, "eliminar todas as possibilidades para a entrada clandestina de armas no Brasil é impossível". Por isso, "combater os fuzis é um trabalho prioritário", disse. O Disque-Denúncia oferece R$ 5 mil por informações que ajudem na apreensão de fuzis e arsenais.

Somente a Polícia Militar já apreendeu 306 fuzis este ano. Para o porta-voz da corporação, Major Ivan Blaz, a apreensão de 60 fuzis no Aeroporto Internacional do Rio em junho foi algo "emblemático". "Essas armas entram com facilidade pelas fronteiras. É necessário que os órgãos responsáveis pela fiscalização se alinhem a um plano nacional de segurança para impedir a entrada dessas armas", disse.

ApreensõesAgência O Dia

Os especialistas Andréa Amim, Paulo Roberto Mello Cunha e Robson Rodrigues também foram ouvidos pelo DIA sobre as armas. 

Uma questão nacional

Andréa Amin - Coordenadora do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do Ministério Público do Rio de Janeiro

Paulo Roberto Mello Cunha - Subcoordenador do Gaesp

Muito se discute sobre o aumento da violência no Rio de Janeiro e, sobretudo, acerca do uso generalizado de fuzis pelo crime organizado. O cerne da questão, porém, reside no fato de que, uma vez posto nas mãos de criminosos entrincheirados no interior das nossas comunidades, a presença do fuzil impõe altíssimo risco à vida de moradores e de policiais, distorcendo os paradigmas da segurança pública e dificultando o próprio controle da atividade policial.

Diante deste cenário, mostra-se imprescindível impedir a entrada dos fuzis em nosso estado que, frise-se, não possui fronteiras internacionais , identificando e desmantelando as estruturas e rotas do tráfico internacional de armas.

Assim, três medidas devem ser adotadas: o fortalecimento da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e do Exército no patrulhamento das fronteiras terrestres brasileiras, em especial daquela guardada com o Paraguai; o estabelecimento pela Marinha da atividade de guarda costeira nos fundos da Baía de Guanabara, porta

aberta à entrada de armamento e drogas; e o aumento do controle sobre a produção e a comercialização de armas e munição produzidas no Brasil através de alterações na legislação, sobretudo no decreto que regula a fiscalização exercida pelo Exército.

É preciso compreender que o bem-estar dos cidadãos fluminenses, através do combate eficiente à criminalidade, começa a ser construído muito longe do nosso estado. Trata-se de um problema nacional, que demanda medidas no âmbito federal, sem as quais não estaremos, verdadeiramente, promovendo a segurança pública.

O mercado da Guerra

Robson Rodrigues - Antropólogo, pesquisador do LAV/UERJ

A secretaria de Segurança elegeu o fuzil como o inimigo público número um. De fato, é preocupante a facilidade com que ele chega a nosso estado, o que justifica, em parte, a dor de cabeça das autoridades.

Os fuzis são armas de guerra e, o Rio, com uma presença massiva deles, parece em guerra. No senso comum, agimos como se nela estivéssemos. O que não poderia ser o caso de nossas autoridades. Não se pode esquecer que fazer a guerra é que aquece o mercado da guerra, sobretudo o das armas de guerra.

Se antes o fuzil se prestava a manter territórios nas intermináveis disputas dessa geopolítica criminal, hoje, ele está também nos crimes de rua e em regiões até então consideradas "pacificadas". O carioca passou a atentar para os riscos de uma arma com velocidade e força letal para atingi-lo em um raio médio de 1 km.

De fato, os fuzis são capazes desses estragos, mas não são eles, e sim as pistolas e os revólveres, que têm produzido a maior parte dos 70% de mortes intencionais que as armas de fogo causam no estado.

Nosso maior inimigo, portanto, não é o fuzil, mas seu fetiche; além das próprias deficiências da segurança pública, ao encarar o problema como guerra e não como mercado.

É fundamental romper esse círculo vicioso com ações inteligentes, que imponham custos a esse mercado e desestimule sua expansão. Mais factível que alimentar o sonho de tornar intransponíveis nossas fronteiras, seria o rastreamento desse mercado criminoso pela Policia Federal com o apoio da Receita Federal, ou mesmo, uma melhor atuação diplomática junto a nossos vizinhos do cone sul, para combater o fluxo dessas armas antes mesmo que elas cheguem às mãos de quem tenha disposição para usá-las. Caso contrário,continuaremos a enxugar gelo, com ou sem o Exército.

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