Por thiago.antunes
Rio - Os conselhos regionais profissionais de medicina, nutrição, fonoaudiologia e fisioterapia decidiram tomar uma medida política decretando hoje “calamidade pública técnica” na saúde do estado do Rio de Janeiro. Trata-se de uma medida cujo objetivo é alertar para a crise que afeta hospitais e outras unidades de saúde e pressionar os governos por uma solução. A iniciativa é inédita e foi anunciada após reunião a portas fechadas no Conselho Regional de Medicina (Cremerj).
No encontro, também estiveram presentes representantes de diversas entidades, como a Associação Estadual de Médicos da Família e Comunidade e o Sindicado dos Médicos do Município do Rio (Sindmed), e da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Um ato público no Cristo Redentor está sendo discutido como forma de marcar a posição dos conselhos. Ainda não há data definida.
Cremerj faz reunião em sua sede para propor estado de calamidade pública na saúde do Rio de Janeiro Tomaz Silva / Agência Brasil

Conforme a legislação, decretar calamidade pública é uma prerrogativa de estados e municípios, como forma de buscar reconhecimento do governo federal para uma situação grave e assim obter acesso a recursos e outras formas de auxílio legalmente previstas. A decisão dos conselhos profissionais não tem desdobramentos imediatos e funciona como instrumento de pressão política.

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De acordo com Nelson Nahon, presidente do Cremerj, o Rio de Janeiro vive sua maior crise na área da saúde e devem ser responsabilizados por ela o prefeito, o governador e o ministro da Saúde. Segundo ele, a situação que já preocupava se agravou desde setembro e atingiu também as unidades municipais de saúde.

"A alegação da prefeitura de que as causas são dívidas de gestões anteriores e queda da arrecadação pode ser verdadeira. Mas foi retirado 10% do orçamento da Secretaria Municipal de Saúde. Cerca de R$ 543 milhões. Nenhuma outra secretaria teve este nível de corte. A maioria foi entre 3% e 4%. Algumas tiveram até acréscimos. Na Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente são R$ 200 milhões a mais. No Gabinete, R$ 66 milhões", disse Nahon.

Nelson Nahon reclamou que o governo do estado está aplicando apenas 3% a 4% de seu orçamento na saúde, quando a lei obriga um percentual de 12%. Denuncia ainda que o Ministério da Saúde se nega a renovar contratos de profissionais de hospitais federais, descumprindo liminar já concedida pela Justiça. "São contratos temporários que respondem entre 40% a 45% dos recursos humanos. Cerca de 3 mil profissionais que possuem contratos com a União há 10 ou 12 anos. E em decorrência da não renovação, serviços estão sendo fechados", lamentou.

Embora o Cremerj defenda a realização de concursos públicos para o preenchimento das vagas nos hospitais federais, a renovação dos contratos temporários é apontada como medida de curto prazo fundamental para não agravar o problema.
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Problemas
De acordo com os conselhos, cerca de 200 medicamentos, entre eles os voltados para pacientes com pressão alta e diabetes, estão em falta mas unidades de atenção básica. O Hospital Municipal Souza Aguiar, a maior unidade emergência do estado, está com seus dois tomógrafos quebrados. O problema, segundo os conselhos, também estaria alcançando as unidades de terapia intensiva (UTIs) neonatais. Dos 320 leitos mantidos pelo governo estadual, segundo ainda os conselhos, 250 são contratados de particulares. A dívida com estas instituições já seria referente a sete meses de pagamento e há risco de suspensão dos serviços, alertam os conselhos.
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No Hospital Universitário Pedro Ernesto, vinculado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), profissionais estão com três meses de salários atrasados e também não receberam ainda o 13º referente à 2016.
Atenção Básica
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As queixas dos conselhos também atingem o Ministério da Saúde, que teria recusado proposta do Cremerj para criar um gabinete de crise em 2016, ignorando relatórios de fiscalizações que apontavam para a gravidade da situação. "O ministro disse que não faltavam médicos e nem os demais profissionais. Disse que tinha aumentado a dotação orçamentária. E é tudo mentira", lamentou Nelson Nahon.
A vice-presidente do Conselho Regional de Nutricionistas, Luana Aquino, disse que o objetivo da mobilização não é apenas resolver o problema imediato."O nosso desejo não é só pagar incêndio. Nossa intenção é também discutir modelo de gestão. Não apenas sair desse momento de caos completo, mas também debater gestão. Por exemplo, estudos mostram que 80% dos problemas de saúde são resolvidos no nível de atenção básica. Então como assim estamos vendo essa política do governo de precarizar a atenção básica?".
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Em nota, o Ministério da Saúde informou que o plano de reestruturação dos hospitais federais sediados no Rio de Janeiro prevê a especialização de cada uma das unidades em determinadas áreas de atuação. "A iniciativa tem o objetivo de ampliar e qualificar os serviços prestados à população do estado. A meta é aumentar em 20% o atendimento especializado em oncologia, ortopedia e cardiologia realizado nas unidades".
A pasta alega ainda que a espera cirúrgica nos hospitais federais foi reduzida em 82%, de 17 mil em janeiro deste ano, para 3.056 cirurgias. "Nos seis hospitais federais, foram realizadas mais de 610 mil consultas, 80 mil atendimentos de emergência e mais de 35 mil cirurgias, de janeiro a setembro deste ano. Cabe ressaltar que o Ministério da Saúde já iniciou o processo para a realização de um novo certame de contratações temporárias de profissionais".
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Procuradas, as secretarias de saúde dos governos estadual e municipal não se manifestaram.