Exército inicia patrulhamento e montagem de barreiras em alguns pontos do Rio de JaneiroAlexandre Brum / Agencia O Dia
Por Agência Brasil
Publicado 20/02/2018 17:48 | Atualizado 20/02/2018 17:48

Rio - A possibilidade de uso de mandados coletivos de busca e apreensão durante a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, levantada após a reunião dos conselhos da República e da Defesa Nacional, divide opiniões e tem gerado polêmica.

O instrumento do mandado coletivo permite a procura por bens e suspeitos não apenas em um local específico, como um imóvel, mas em uma área maior, até mesmo um bairro. Este tipo de medida depende de uma decisão judicial, que delimita a área, as ações permitidas e quem pode realizá-las.

Nesta terça-feira, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, se reuniu com o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, desembargador Milton Fernandes de Souza, na capital fluminense. Na saída, Jardim falou à imprensa que os mandados seguirão o “devido processo legal” e que todas as ordens judiciais necessárias à execução da intervenção “obedecerão os princípios constitucionais fundamentais”.

Na segunda-feira, após a reunião dos conselhos, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que os mandados não serão uma “carta branca” para os militares nas ações no contexto da intervenção. “Não existe carta branca, nem carta negra, nem carta cinza”, disse. Em nota, no início da noite, o Ministério da Defesa informou não serão usados os mandados coletivos de prisão, e serão restritos à busca e apreensão.

A legislação brasileira não prevê a figura do mandado coletivo, mas de diferentes tipos de mandados. O Código de Processo Penal prevê, em seu Artigo 243, que o mandado deve “indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador” e “mencionar o motivo e os fins da diligência”.

Já a Constituição Federal, em seu Artigo 5º, afirma que a casa “é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

Para a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, os mandados coletivos são ilegais e inconstitucionais, por ferirem as duas normas. “A inviolabilidade de domicílio só tem exceção em flagrante, socorro ou determinação judicial mediante a definição individualizada da pessoa. O Código de Processo Penal é explícito ao especificar a casa onde será a busca e a pessoa objeto do mandado”, argumenta a defensora Lívia Cassares.

Na opinião do doutor em ciências penais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Leonardo Yarochewisk, o mandado não pode ser indeterminado nem violar o princípio constitucional da presunção de inocência. “Vai ter mandado no Leblon? Em Ipanema? Vai ser nas favelas, e com violação de direitos e garantias fundamentais. Que presunção de culpa é essa nessas comunidades?”, questiona.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) anunciou, em nota, que pretende questionar na Justiça o instrumento. "Por ser limitadora de garantias fundamentais, toda e qualquer medida cautelar jamais pode ser genérica. Caso contrário, há a violação constitucional da garantia individual de inviolabilidade do lar e intimidade – colocando sob ameaça ainda maior os direitos da parcela mais desassistida da população", diz o texto.

A Advocacia-Geral da União (AGU) informou à Agência Brasil que irá atuar para garantir a segurança jurídica das medidas tomadas pelas Forças Armadas no âmbito da intervenção federal.

Ação

Para o ex-secretário Nacional de Segurança Pública, coronel reformado José Vicente da Silva Filho, é preciso, em alguns casos, usar medidas extremas para se chegar aos criminsosos e um recurso central na sua atuação: armas e munição. “Entendo que para encurtar essa crise no Rio de Janeiro, o melhor caminho é tirar o principal instrumento, que são as armas. Nessas comunidades, elas podem ser buscadas e apreendidas. É dando condições para a polícia que vamos expulsar os bandidos”, defende.

Já a Federação de Favelas do Rio de Janeiro (Faferj) classifica o uso deste instrumento como “muito ruim” e acredita que dará pouco resultado. “Vai ser ineficaz, como têm mostrado todas as operações militares. Se eles realmente querem fazer operação que tenha êxito, as forças de segurança têm que usar a inteligência e investigação. Não é na favela que está ocorrendo o tráfico, o espaço é varejista. Se você mapear quem é quem, bandido e morador, você causa impacto menor na comunidade e consegue prender o bandido que está escondido ali”, disse Fillipe dos Anjos, secretário-geral da Faferj.

Outras experiências

O uso dos mandados coletivos não é inédito, e já ocorreu em outras situações no Rio de Janeiro. Em agosto de 2017, a Justiça autorizou que a polícia entrasse em qualquer casa na comunidade do Jacarezinho e em quatro favelas vizinhas. A operação resultou na prisão de 43 pessoas, apreensão de 11 armas e de drogas. No dia 25 do mesmo mês, a medida foi suspensa por um desembargador.

Em novembro de 2016, a Justiça do Rio expediu mandado coletivo de busca e apreensão na Cidade de Deus. No mesmo mês, a medida foi revogada após a queda de um helicóptero que resultou na morte dos quatro ocupantes, depois de uma ação contra o tráfico de drogas na comunidade. Moradores fizeram protestos na ocasião contra a permissão, classificando-a de medida arbitrária.

Em março de 2014, foi expedido mandado coletivo para atuação nas favelas Nova Holanda e Parque União, no Complexo da Maré, que contemplava apenas os delegados. Na ocasião, o Exército também foi chamado a atuar, mas por meio de uma operação de Garantia de Lei e Ordem (GLO).

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