Delegado Marcelo Martins chegou sorrindo à superintendência da PF - Severino Silva / Agência O Dia
Delegado Marcelo Martins chegou sorrindo à superintendência da PFSeverino Silva / Agência O Dia
Por JONATHAN FERREIRA

Rio - O esquema de superfaturamento de pãezinhos da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), que culminou na prisão de um delegado e de um ex-secretário de Sérgio Cabral, contou com inovação para tentar driblar as autoridades financeiras. Segundo a Receita Federal, pela primeira vez foram feitas operações em bitcoin. A informação foi revelada em entrevista coletiva nesta terça-feira.

"O uso da moeda virtual mostra que as pessoas estão tentando sofisticar a forma de atuação, voar baixo do radar da Receita, Banco Central e Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf)", disse Luiz Henrique Casemiro, superintendente da Receita Federal.

De acordo com ele, o grupo movimentou R$ 300 mil em quatro operações em bitcoin. "A ideia era tentar receber dinheiro no exterior usando esse instrumento que não é regulado na maior parte dos países", afirmou.

Batizada de Pão Nosso, a operação é realizada para cumprir 16 mandados de prisão. Destes, sete foram cumpridos. Entre eles estão o delegado Marcelo Martins, atual Diretor Geral de Polícia Especializada, e o coronel César Rubens Monteiro de Carvalho, ex-secretário de Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) durante o governo de Sérgio Cabral. Ambos foram presos nas suas respectivas residências na Barra da Tijuca. O empresário Carlos Felipe da Costa Almeida de Paiva Nascimento não foi encontrado. A polícia suspeita que ele esteja em Portugal. 

O ex-governador Cabral será denunciado mais uma vez. Segundo as investigações, a organização criminosa liderada por ele recebeu parte dos recursos desviados. "O dinheiro que deveria ser usado para fornecer comida dos presidiários acabava sendo destinado à casas de câmbio, que posteriormente tinha o objetivo de desviar essa propina. Parte dela ia pra Cesar Rubens e outra parte para Sergio Cabral, que era líder da organização criminosa", explicou o procurador da República Eduardo El Hage.

A investigação

As investigações dos ministérios Público Estadual e Federal e apontam superfaturamento em contratos de fornecimento de pães para as cadeias do estado do Rio. Em troca dos contratos, os empresários pagavam propina para a quadrilha ligada à Sérgio Cabral, através do advogado Marcos Vinícius da Silva Lips, ex-secretário adjunto de Tratamento Penitenciário da Seap, e o ex-ordenador de despesas do órgão, Wellington Perez Moreira.

As investigações partiram de irregularidades no projeto Pão-Escola, que tinha como objetivo a ressocialização dos presos. A empresa Induspan, de Carlos Felipe da Costa Almeida de Paiva Nascimento, foi inicialmente contratada para executar o projeto, mas o contrato foi rescindido porque havia desequilíbrio financeiro, já que o estado fornecia os insumos necessários para a produção dos pães, enquanto os presos forneciam a mão de obra, com custo baixíssimo para a empresa, que fornecia lanches para a Seap com preços acima do valor de mercado.

Após a rescisão do contrato, Paiva criou, por meio de laranjas, a Iniciativa Primus, que substituiu a Induspan no fornecimento de lanches em presídios do Rio. Uma inspeção do Tribunal de Contas do Estado identificou que o esquema criminoso prosseguiu, já que a organização utilizava a estrutura do sistema prisional e a mão de obra dos detentos para fornecer alimentação acima dos preços de mercado. Mesmo com as irregularidades, o ex-secretario de Administração Penitenciária César Rubens autorizou prorrogações de contrato com a Iniciativa Primus. Estima-se que o dano causado à Seap seja de R$ 23,4 milhões.

A Iniciativa Primus também foi usada em uma série de transações de lavagem de dinheiro. Segundo as investigações, por meio de uma complexa rede de empresas com as quais ela celebrou contratos fictícios de prestação de serviços, estima-se que Felipe Paiva tenha lavado pelo menos R$ 73,5 milhões. Neste braço do esquema, o principal doleiro de Paiva era Sérgio Roberto Pinto da Silva, preso na operação Farol da Colina, da força tarefa CC5 do Banestado.

Um dos operadores financeiros de Cabral revelou, em delação premiada, que parte da propina recebida na Seap era repassada ao ex-governador, mas sem a definição de percentual fixo como identificado em outras secretarias já investigadas. César Rubens utilizava duas empresas das quais era sócio para receber a propina, a Intermundos Câmbio e Turismo e a Precisão Indústria e Comércio de Mármores. O sócio de César Rubens na Precisão é Marcos Lips, apontado como responsável pela entrega de dinheiro em espécie ao núcleo central da organização criminosa que operava no estado na gestão de Sérgio Cabral.

Carlos Mateus Martins, pai do delegado Marcelo Martins, também é alvo da operação. Ele é sócio de César Rubens na Intermundos. Já pai e filho são sócios Finder Executive Consulting Assessoria. Carlos e Marcelo colaboraram com o ex-secretário na estruturação de pessoas jurídicas para viabilizar a lavagem de dinheiro e ainda atuaram por meio da Finder junto ao grupo Dirija de Ary da Costa Filho, um dos operadores financeiros do núcleo central de Cabral.

Carlos Felipe Paiva é dono do Esch Café, tradicional ponto de encontro de admiradores de charutos no Centro do Rio, no Leblon e em São Paulo, no bairro dos Jardins. A Esch Café já foi alvo de uma investigação que apontava um esquema de fraude no fornecimento de pães e lanches para presídios, que foi revelado pela TV Globo.

"Carlos Felipe Paiva fez uso do doleiro Sérgio Roberto Pinto para promover atos de lavagem de dinheiro por meio de contratos fraudulentos firmados com a Seap. É, assim, plausível que parte do dinheiro recebido do Estado do Rio de Janeiro tenha sido remetido para o exterior, utilizando a estrutura de empresas utilizadas por Carlos Paiva e Sérgio Pinto. E, por meio da empresa Intermundos, mediante prestação fictícia de serviços, tais valores (pagos a título de vantagem indevida) retornem a César Rubens, Carlos Mateus Martins e Marcelo Santos Martins, em atos de lavagem de dinheiro", explicam em petição os procuradores da República integrantes da força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro.

Entre as acusações contra os envolvidos estão os crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, fraude em licitação e peculato.

Segundo a procuradora da república, Fabiana Schneider, o operador financeiro Carlos Miranda admitiu, em sua delação premiada, que o delegado Marcelo Martins recebia uma mesada da organização criminosa chefiada pelo ex-governador Sérgio Cabral. O procurador da república, Eduardo El Hage, disse que Cabral será denunciado mais uma vez. "O dinheiro que deveria ser usado para fornecer comida dos presidiários acabava sendo destinado à casas de câmbio, que posteriormente tinha o objetivo de desviar essa propina. Parte dela ia pra Cesar Rubens e outra parte para Sérgio Cabral, que era líder da organização criminosa",afirmou.

A defesa de Cabral informou que todos os secretários ouvidos em juízo, a pedido da própria defesa, afirmaram nunca terem sofrido ou ouvido falar em qualquer tipo de pressão ou interferência do ex-governador nas respectivas pastas. Ainda de acordo com a defesa, a acusação contra Cabral se contrapõe ao que disseram outros delatores nos processos já em andamento. A nota divulgada pela defesa diz ainda que Cabral desconhece irregularidades na SEAP ou em qualquer outra secretaria de seu governo, e reafirmou que nunca compactuou com ilícitos seja na vida pessoal ou como gestor público. As defesas de Marcelo Martins e César Rubens não foram localizadas.

Ex-secretário multiplicou patrimônio

Em dezembro de 2014, O DIA noticiou que o oficial da PM, desde que sentou na cadeira de secretário, fez seu patrimônio pessoal multiplicar por dez e dividia o tempo entre a Seap e seus afazeres particulares: era sócio de duas empresas privadas e mantinha atividade remunerada extra como consultor no Estaleiro Mac Laren Oil. O enriquecimento ilícito foi denunciado pelo Ministério Público do Rio. A reportagem, inclusive, foi citada no pedido de prisão de todos os réus feito pelo MP à Justiça.

O DIA mostrou que na gestão de oito anos de César Rubens os preços com a alimentação disparam na mesma proporção que despencam os gastos com a Saúde e a Educação dos presos, segundo estudo do Tribunal de Contas do Estado, que analisou as contas da Seap em cinco dos oito anos administrados por César Rubens.

Por conta das investigações, o coronel não aguentou a pressão e deixou a pasta em março de 2015, sendo substituído por outro oficial: o coronel Erir Ribeiro da Costa Filho, ex-comandante da PM, que também deixou o comando da Seap no fim do ano passado após denúncias de corrupção.

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