Cerimônia de posse do coronel Luis Claudio Laviano como novo comandante da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro Alexandre Brum
Por Bruna Fantti
Publicado 24/03/2018 20:54 | Atualizado 26/03/2018 18:28

Rio - Nas manifestações com pedido de Justiça no caso da morte da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, um grito ecoou em várias passeatas: "Queremos o fim da Polícia Militar". Ao contrário do que o lema pode fazer crer, os manifestantes não querem riscar os policiais do mapa. A ideia é que eles deixem de seguir o regulamento militar. Se fosse aceita, que resultado traria essa proposta à segurança da população? O tema divide a opinião de especialistas.

"O grito é o resultado intolerável diante da violência e das mortes que atingem um mesmo grupo social: as favelas e periferias e os jovens negros", analisa a ex-diretora da Escola de Comunicação da UFRJ, Ivana Bentes. "A militarização do cotidiano e da vida nas favelas chegou no seu cúmulo. Não é de hoje que as forças públicas são associadas a um 'necropoder' um poder de morte ou a um sentimento de vingança regressiva de parte da sociedade".

Para o coronel Robson Rodrigues, mestre em Antropologia e ex-coordenador das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), é necessário uma modernização nas polícias, mas o slogan sobre o que é a desmilitarização precisa ser aprofundado. "Se estivermos falando somente da desmilitarização é pouco para dar conta da problemática da Segurança Pública. Além de um sonho, mobiliza antagonismos e não os espíritos reformuladores que são capazes de fazer uma mudança. Os anseios das ruas são justos, mas é preciso elaborar melhor essa questão", completou.

Cientista político da Universidade de Brasília, Alexandre Costa fez tese de doutorado comparando a estrutura da PM de São Paulo com a PM empregada no Chile. De acordo com o especialista, somente esses dois países atuam com o policiamento militar voltado para a população. "Canadá, Estados Unidos, França e Espanha possuem polícias militares, mas que não atuam no policiamento da sociedade cotidianamente. São usadas nas fronteiras, por exemplo. Já a do Chile é militar, mas é responsável pela investigação dos crimes também", explicou.

Segundo Costa, no Brasil, nos séculos 19 e 20, as polícias quiseram se comparar ao Exército, na estética e na estrutura. Mas, na Ditadura, passaram a sair dos quartéis para a vigilância das ruas, fazendo patrulhas contra insurgentes. "No regime militar as polícias passaram a reprimir manifestações. Desmilitarizar a Polícia tem que ser algo que vai além do nome. É a cultura do enfrentamento que tem que mudar, não se pensar na lógica militar de que há um inimigo, da 'guerra da criminalidade'. Essas características são resquícios de tempos autoritários", afirmou.

Ainda de acordo com o cientista político, a desmilitarização traz como benefício para o policial os direitos trabalhistas e uma relação menos autoritária. Mas não é benéfica em outras características, como a perda de um sistema especial de previdência. Por conta disso, encontra resistência dentro da corporação.

Costa analisa que o fato da PM deixar de ser militar não iria alterar os índices de criminalidade de imediato. "Mas mudaria a relação com o cidadão. Os Direitos Humanos têm que ser o eixo principal das polícias, não um acessório nos currículos policiais", afirmou. Já o ex-comandante-geral da PM, coronel Wolney Dias, discorda. "O militarismo não torna a corporação menos humana e sim as pessoas que as conduzem", disse.

O tenente Nilton da Silva, representante do grupo SOS Polícia diz que o grito seria político. "O que eu vejo não é o grito das ruas para desmilitarizar, mas um grupo de pessoas que não quer a ordem", opinou. O presidente do Sindicato dos Policiais Civis, Márcio Garcia, é a favor da desmilitarização. "Somos a favor de uma reforma no modelo de Segurança Pública, com a adoção de uma polícia ostensiva de natureza civil, não militarizada como força auxiliar do Exército. Também carreira única, com entrada pela base e ciclo completo relacionado aos crimes de menor potencial ofensivo".

O ciclo completo de polícia é a possibilidade de investigar para oferecer a denúncia à Justiça. "A PM poderia investigar crimes de menor potencial ofensivo e, com isso, a Civil investigaria crimes mais complexos; a investigação seria mais célere", disse.

77% são a favor da desmilitarização
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Em 2014, o Fórum de Segurança Pública realizou uma pesquisa com policiais de todo o país. Nela, 77,2% dos policiais afirmaram que seriam a favor da desmilitarização. Além disso, um terço dos agentes gostaria de sair das corporações. A insatisfação seria por conta do rigor interno e pouco rigor com questões que afetariam, na prática, a segurança da população.
O militar M.T, de 37 anos, saiu da Polícia Militar no Rio para trabalhar na Polícia Rodoviária Federal (PRF). "Abri mão do sonho de ser oficial da PM. Não concordava com a falta de direitos, com prisões arbitrárias. Mas continuo a ser policial", afirmou, sem querer se identificar.
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Já um capitão fez o caminho contrário: saiu da PRF para a Polícia Militar."As possibilidades de crescimento na carreira e o fato de poder proteger o cidadão de forma mais direta me atraíram. Gosto do militarismo também. É algo que nos dá disciplina. E é com ele que somos treinados para tiroteios, para manter a cabeça quando tudo a sua volta está desabando", disse. A desmilitarização das polícias militares só seria possível através de emenda constitucional.

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