A desembargadora Marília de Castro Neves se envolveu em uma polêmica sobre a morte da vereadora Marielle FrancoReprodução Facebook
Por O Dia
Publicado 18/04/2018 13:08 | Atualizado 18/04/2018 15:00

Rio - Um mês após dizer que a vereadora Marielle Franco (Psol) "estava engajada com bandidos", a desembargadora Marília Castro Neves publicou uma carta pedindo desculpas à vereadora, nesta quarta-feira. O texto é direcionado à professora Débora Seabra. No mês passado, a magistrada questionou como professores com Síndrome de Down poderiam ensinar em sala de aula. 

"Estou escrevendo para agradecer a carta que você me mandou e lhe dizer que suas palavras me fizeram refletir muito. Bem mais do que as centenas de ataques que recebi nas últimas semanas. Tenho sofrido muito desde que fui atropelada pela divulgação de comentários meus, postados em grupos privados (...). Perdão, Débora, por ter julgado, há três anos atrás, ao ouvir de relance, no rádio do carro, uma notícia na Voz do Brasil, que uma professora portadora de Síndrome de Down seria incapaz de ensinar. Você me provou o contrário", escreveu a desembargadora.

Em relação à vereadora, a magistrada pediu desculpas e admitiu que reproduziu as informações da Internet sem checar antes a veracidade. "No afã de rebater insinuações, também sem provas, na rede social de um colega aposentado, de que os autores seriam policiais militares ou soldados do Exército, perdi a oportunidade de permanecer calada. Nesses tempos de fake news temos que ser cuidadosos", completou.

Na mesma carta, a desembargadora também citou o deputado federal Jean Wyllys (Psol). Em uma publicação em rede social, ela havia afirmado que o parlamentar merecia ir para um paredão (de fuzilamento) "embora não valha a bala que o mata". Sobre a postagem, na época, Marília disse que fez "uma ironia com o apoio declarado do deputado ao regime cubano" e que não defende "o paredão". 

"Estendo esta reflexão ao deputado Jean Wyllys. Sempre me oporei às suas ideias e às do PSOL, nada mudará isso, mas é evidente que não desejo mal à ninguém", destacou na carta publicada nesta quarta-feira.

Leia a íntegra da carta

Prezada professora Débora,

Estou escrevendo para agradecer a carta que você me mandou e lhe dizer que suas palavras me fizeram refletir muito. Bem mais do que as centenas de ataques que recebi nas últimas semanas. Desculpe a demora na resposta mas eu precisava desse tempo.

Tenho sofrido muito desde que fui atropelada pela divulgação de comentários meus, postados em grupos privados - restritos a colegas da magistratura. Mas alguém resolveu torná-los públicos. Alguns haviam sido postados há tanto tempo que eu nem me lembrava deles. A repercussão foi imensa.

Desde então decidi me recolher. Chorei, fui abraçada e pensei muito.

E de tudo que li e ouvi a meu próprio respeito, foi de você, de quem em um primeiro momento duvidei da capacidade de ensinar, que me veio a maior lição: a de que precisamos ser mais tolerantes e duvidar de pré-conceitos.

Minhas posições pessoais jamais interferiram nas minhas decisões, conhecidas por serem técnicas e, por isso mesmo, quase sempre acompanhadas unanimemente pelos meus colegas de turma julgadora.

Hoje, contudo, percebi que, mesmo quando meu corpo despe a toga, a mesma me acompanha aonde eu for.

As opiniões pessoais de um magistrado, uma vez divulgadas, sempre terão peso, pouco importando ao Tribunal das redes sociais que tenham elas sido ditas em caráter público ou privado e que opinião não seja sentença.

Magistrados também erram e, quando o fazem, incumbe-lhes desculparem-se. Esta carta é justamente isso: um pedido de perdão.

Perdão, Débora, por ter julgado, há três anos atrás, ao ouvir de relance, no rádio do carro, uma notícia na Voz do Brasil, que uma professora portadora de Síndrome de Down seria incapaz de ensinar. Você me provou o contrário.

Aproveito o ensejo para também me desculpar à memória da vereadora Marielle Franco por ter reproduzido, sem checar a veracidade, informações que circulavam na internet. No afã de rebater insinuações, também sem provas, na rede social de um colega aposentado, de que os autores seriam policiais militares ou soldados do Exército, perdi a oportunidade de permanecer calada. Nesses tempos de fake news temos que ser cuidadosos.

Estendo esta reflexão ao deputado Jean Wyllys. Sempre me oporei às suas idéias e às do PSOL, nada mudará isso, mas é evidente que não desejo mal à ninguém.

Obrigada, Débora, por ter me ensinado tanto.

MARILIA DE CASTRO NEVES VIEIRA

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