O laudo do IML constatou que o tiro que atingiu o estudante não partiu do helicóptero da políciaReprodução vídeo / Maré Vive
Por NADEDJA CALADO e RAFAEL NASCIMENTO
Publicado 20/06/2018 14:31 | Atualizado 20/06/2018 20:10

Rio - Um menino de 14 anos foi atingido no abdômen por bala perdida no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio, no final da manhã desta quarta-feira, durante a operação da Polícia Civil com o apoio das Forças Armadas. Marcos Vinicius da Silva passou por uma cirurgia e teve o baço removido. Seu estado de saúde é grave e ele deve passar por nova intervenção na sexta-feira no Hospital Getúlio Vargas onde está internado, de acordo com Fátima Barros, coordenadora da 4ª Coordenadorias Regionais de Educação (CRE), que esteve na unidade esta tarde para conversar com os pais da vítima. 

A coordenadora diz que os pais contaram que o menino acordou atrasado e foi atingido pelo disparo a caminho da escola. Ainda segundo Fátima, o Secretário Municipal de Educação, Cesar Benjamin, foi alertado sobre a operação e pediu que ela fosse suspensa e realizada em um horário que não coincidisse com entrada e saída das escolas. "Existe inclusive um aplicativo em que as unidades podem notificar a Secretaria Municipal de Educação sobre confrontos", afirmou a coordenadora, que lembou também que, na manhã desta quarta, as aulas não foram suspensas.

 

Fátima Barros, coordenadora da 4ª CRE, conversa com os pais do adolescente Marcio Mercante / Agencia O Dia

Edmilson Severino de Souza, diretor do Ciep Operário Vicente Mariano conta que o adolescente é um aluno "regular dentro das suas possibilidades" e que não tem nada a reclamar sobre ele. De acordo com Edmilson, cerca de 500 crianças estavam na escola no momento do tiroteio, e as aulas não foram suspensas. O procedimento, conforme o diretor, foi esvaziar o pátio e levar os alunos ao lado oposto ao do confronto.

Nesta tarde, a ONG Redes da Maré informou que, além do menino, uma outra criança havia sido atingida por estilhaços no Ciep Operário Vicente Mariano, além de um mototaxista ferido da mesma forma em um dos acessos à favela. Seis homens morreram, segundo a polícia, suspeitos de tráfico de drogas.

Em nota, a Secretaria Municipal de Educação informou que nenhum aluno (a) foi baleado dentro das dependências do Ciep Operário Vicente Mariano ou de qualquer outra unidade localizada no Complexo da Maré. 

De acordo com a Redes da Maré , moradores gravaram vídeos em que o helicóptero, apelidado de “caveirão voador”, sobrevoa atirando pra baixo. "O chão da favela está todo marcado e com resto de balas de fogo. Nas ruas F, B1, B8, C4 e na Praça do Salsa, o cenário é mais aterrorizante: mais de cem buracos no chão. Na Praça do Salsa e na rua F, muito próximo de duas escolas, a Creche Vila do Pinheiro e no Campus Maré II", diz a ONG na nota.

Ainda segundo relatos da organização, casas foram arrombadas e invadidas pelos agentes do Estado mesmo sem mandato judicial, outra ilegalidade. As unidades escolares e os postos de saúde da Maré também foram fechados por causa da operação. Questionada pela reportagem sobre as denúncias de moradores, a Polícia Civil não havia se pronunciado até a publicação da matéria.

Ao DIA, Danielle Moura, coordenadora de comunicação institucional da Redes da Maré, disse que o helicóptero da Polícia Civil entrou atirando em quem estava em solo. "É uma ilegalidade um helicóptero entrar em uma comunidade, que tem 150 mil habitantes, atirando como eles fizeram. Quem consegue mirar de cima de uma aeronave?", diz a coordenadora.

"Um helicóptero não tem a função de atirar. O policial que está ali (dentro da aeronave) tem a função de orientar os colegas que estão em solo. A excepcionalidade da lei só permite isso em guerra. E não estamos em guerra", lembrou. "Quantas crianças estão dentro dessa comunidade?", questiona Danielle. 

O diretor da organização Luta Pela Paz, Luke Downdney, também criticou a ação. “É inaceitável e repugnante ver um helicóptero atirando em uma comunidade cheia de pessoas inocentes que não tem nada a ver com a violência que ocorre diariamente nas comunidades do Rio”, disse Downdney em sua conta no Facebook.

Segundo a página Maré Vive, helicópteros da Polícia Civil sobrevoaram a região e estariam dando tiro para baixo a esmo. Um vídeo com a ação foi postado. "Galera, o blindado voador vai e volta. Continuam dando tiros do alto e cada vez mais estamos em perigo. Atenção redobrada! Mesmo nos momentos de aparente calmaria", alertou. Moradores compartilharam marcas de tiros no asfalto de uma das comunidades, além de outras denúncias.

Procurado pelo DIA, o Ministério Público do Rio (MPRJ) disse que vai enviar as denúncias postadas nas redes sociais por moradores para serem analisadas pela promotoria responsável. A Defensoria Pública do Rio ainda não se pronunciou sobre os relatos de supostos abusos na Maré. O Defezap, projeto que reúne denúncias de violência do estado, pediu que moradores filmem e registrem violações que vem a ocorrer. A Secretaria do Estado de Educação informou que aulas continuam funcionando normalmente.

  

Operação na Maré tem seis mortos, confirma Polícia Civil 

Como o DIA havia divulgado mais cedo, a Polícia Civil confirmou, na tarde desta quarta-feira, que seis pessoas foram mortas durante o confronto. De acordo com os agentes, durante o cumprimento de mandados em duas casas, os policiais foram recebidos com intenso disparo de armas de fogo, houve confronto e seis suspeitos foram feridos e socorridos, mas não resistiram. 

Participaram da ação: a Delegacia de Combate às Drogas(DCOD), a Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis(DRFA), Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC), Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE), Serviço Aeropolicial (Saer), 27ª DP (Vicente de Carvalho), 39ª DP (Pavuna) e 55ª DP (Queimados).

Segundo a Polícia Civil, a operação tinha como objetivo cumprir 23 mandados de prisão decorrentes de investigações da DCOD e da 39ª DP, além de checar na região informações obtidas através do setor de inteligência.

Ainda de acordo com a polícia, os agentes apreenderam quatro fuzis, oito carregadores, duas pistolas, quatro granadas, farta quantidade de munição de fuzil e pistola, drogas (1.832 pinos de cocaína, 75 sacolés de maconha, cerca de 2 quilos de cocaína), além de ferramentas utilizadas para arrombamento de caixas eletrônicos. Não há informações sobre presos na operação. 

Defensoria Pública pede à Justiça para proibir disparos de aeronaves durante ações nas favelas

A Defensoria Pública do Estado do Rio anunciou que entrou com uma liminar na Justiça para pedir a proibição de disparos de helicópteros nas favelas ou lugares densamente povoados.

"Essa situação da utilização de um helicóptero para efetuar disparos de arma de fogo a esmo, em locais urbanos densamente povoados, enquanto se movimenta em alta velocidade é absurdamente temerária, não se tem notícia de algo parecido em qualquer lugar do mundo. A probabilidade de atingir pessoas inocentes é imensa, além do terror psicológico que causa aos moradores e interrupção das atividades na comunidade e prejuízos materiais", afirmou o defensor público Daniel Lozoya, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública e que assina a petição.

No pedido, que foi protocolado na 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital, a Defensoria requereu também o cumprimento da decisão judicial que obriga o Estado a apresentar o plano de redução de riscos e danos para evitar violação dos direitos humanos e preservar a integridade física dos moradores da Maré durante as ações policiais dentro da comunidade. O plano de redução de danos decorre de uma ação civil pública movida pela DPRJ desde junho de 2016.

Na petição entregue à Justiça, o Nudedh afirma que o prejuízo causado durante a operação conjunta da Polícia Civil e do Exército, na localidade Vila Pinheiros, dentro do território da Maré, classificado como “mais um morticínio promovido pelo Estado”, revela a persistência do réu em não cumprir a determinação judicial e ainda agir de maneira contrária às diretrizes estabelecidas na decisão proferida por este juízo.

No documento, a Defensoria argumenta que a utilização de aeronaves para efetuar disparos de arma de fogo de grosso calibre próximo a escolas, residências e aglomeração de pessoas foi considerada temerária e revela “atuação discriminatória do Estado”, visto que esta medida nunca seria tomada se a ocasião envolvesse bairros de classe média.

"A única hipótese de se considerar esse tipo de operação policial como exitosa é o total desprezo pela vida e demais direitos dos moradores de favela. É oportuno rememorar outras ocasiões em que a aeronave da Polícia Civil foi utilizada para realizar voos rasantes e efetuar disparos de arma de fogo, como na Favela do Rola, em 2012, e no Jacarezinho, no ano passado, sempre resultando em múltiplos homicídios. No Jacarezinho até mesmo a base da UPP local foi atingida, o que demonstra a integridade dos policiais também é colocada em risco", acrescentou o defensor.

Você pode gostar

Publicidade

Últimas notícias