Por FRANCISCO EDSON ALVES

Rio - O médico William Colletti Hagemann, que atuava na equipe do ortopedista Fernando César Monteiro Lamy da Silva (encontrado morto em Araruama, na Região dos Lagos, no dia 1º de outubro de 2017, e que respondia a mais de 70 processos judiciais, conforme O DIA denunciou), foi condenado pela juíza da 38ª Vara Criminal do Rio, Gisele Guida de Faria, a um ano de detenção, em regime aberto. A sentença dada a William, que ainda estudante se passava por médico formado, porém, foi substituída por prestação de serviços à comunidade, por ele ser réu primário (Processo 0419757-19.2014.8.19.0001).

William Hagemann foi condenado a trabalhos comunitários e não sofrerá nenhuma punição do Cremerj - Reprodução Internet

Em 2014, a 38ª Vara Criminal do Rio acatou denúncia do Ministério Público contra William pelos crimes de homicídio simples; falsidade ideológica; falso testemunho; falsa perícia, e concurso de pessoas. De acordo com testemunhas, William, ainda como estudante do quarto ano de Medicina, "costumava se passar por médico formado, em ações acobertadas por Lamy".

Foi o caso envolvendo a morte do analista de sistemas Marcelo Gonçalves Costa, em 2012. Aos 37 anos, ele morreu após ter a coluna operada por Lamy, pela segunda vez em 40 dias. Na época, William atuou como instrumentista do ortopedista. No dia da operação, Lamy se ausentou da sala de cirurgia, cabendo ao então estudante, suturar o paciente, que não resistiu e morreu durante o procedimento, por conta de uma forte hemorragia.

Em nota, o Conselho Regional de Medicina (Cremerj) informou, através de sua assessoria de imprensa, que não abrirá nenhum procedimento que possa culminar com algum tipo de punição a William, como a cassação de seu registro profissional. "De acordo com o Código de Ética Médica, tendo em vista que o fato pelo qual William Colletti Hagemann foi condenado, ocorreu enquanto ele não era formado em medicina e, logo, não possuía CRM ativo, o Cremerj não pode abrir sindicância para apurar o acontecido à época", alegou a entidade.

William iniciou como estagiário em Emergência Cirúrgica num hospital do Paraná. Em 2011 iniciou instrumentação cirúrgica no Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, atuando em emergências clínicas. Também é descrito como tendo sido plantonista da Coordenação de Emergência Regional (CER), instalada no mesmo hospital, até 2017. No ano anterior, foi médico emergencial na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro Fonseca, em Niterói.

Enquanto advogados de William tentam reduzir ainda mais a sua pena, alegando a inocência total do médico, parentes e amigos de Marcelo criticam a 'sentença irrisória', segundo eles, dada pela Justiça, e a 'inércia do Cremerj'. Antes da condenação, o advogado da família do analista de sistemas criticou a 'morosidade para o julgamento do processo', que levou seis anos. "São graças à essas benevolências que a impunidade cresce e dá margens para que esses maus profissionais continuem agindo livremente, com certeza matando outros inocentes", desabafou um amigo da família. O DIA não conseguiu contato de William.

Overdose teria matado Lamy

Fernando Lamy era ortopedista e foi cassado pelo Cremerj. Havia pelo menos oito óbitos e dezenas de mutilações atribuídas a ele - JOÃO LAET / Agência O DIA

O médico Fernando César Lamy Monteiro da Silva, de 50 anos, morreu de parada cardíaca, provavelmente em consequência de overdose de álcool e drogas. A hipótese, tida como a mais forte para o caso, é investigada pela 118ª DP (Araruama). Conforme O DIA publicou com exclusividade, o corpo de Lamy foi encontrado numa casa de sua propriedade, em Araruama, na Região dos Lagos, no dia 1º de outubro de 2017. De acordo com registro naquela delegacia, o corpo de Lamy foi achado caído no banheiro da propriedade, que estava à venda.

"O corpo foi encontrado já sem vida, sem sinais de agressão. A residência, onde estava morando sozinho ultimamente, não tinha indícios de arrombamento e os móveis estavam em ordem. Há notícias nos autos de abuso de álcool e de medicamentos por parte da vítima", afirmou a delegada Janaína Cristina Peregrino, que investiga o caso. Exames ainda não revelaram que tipo de drogas (se ilícitas ou medicamentosas), além de excesso de álcool, teriam provocado mio-cardiopatia dilatada, conforme consta no laudo cadavérico, que o levou à morte súbita.

Lamy, que chegou a ser preso em 2014, depois de uma série de matérias feitas pelo DIA, respondia em liberdade, conforme o Tribunal de Justiça (TJRJ), a 70 ações nos Juizados Especiais Criminais, Cíveis, de Família, e Dívida Ativa. O reconhecimento do corpo foi feito pela irmã, Andrea Lamy. Em depoimento na 118ª DP, parentes confirmaram que Lamy era cardíaco e 'tinha problemas com bebidas alcoólicas e uso de medicamentos'. Informaram, porém, que ele estava em abstinência alcoólica há dias, antes da data de sua morte.

No dia 1º de outubro, a ex-mulher de Lamy, que tinha falado ao telefone com o ortopedista às 21h do dia anterior, conforme o Boletim de Ocorrência 3900 na 118ª DP, que o DIA teve acesso, não conseguiu novo contado na manhã seguinte. Ela então foi até a casa e, com a ajuda de vizinhos, após chamar o ex-marido, sem sucesso, arrombou a porta. Segundo peritos, o médico teria morrido possivelmente no início daquela madrugada.

Vítimas dizem que 'já esperavam o pior'

O médico Fernando Lamy, que morreu ano passado, chegou a ser preso, depois de matérias do DIA - João Laet / Agência O Dia

Pessoas que se dizem vítimas e parentes delas, não se disseram surpresas com a possibilidade de Fenando Lamy ter morrido de overdose. "Nunca tive dúvidas de que ele me operou bêbado. Me lembro como se fosse agora que um dos membros de sua equipe me aplicou anestésico local e em poucos segundos, senti uma dor insuportável nas costas. Sequer ele esperou o efeito. Apavorado com meus gritos, ele (Lamy) falou para o anestesista: 'apaga ela, porque deu m**'”, relembra, entre lágrimas, Mariza de Pinho, 64 anos, operada em 2007 por Lamy para curar hérnia de disco.

A cirurgia, que demoraria meia hora, a laser, levou seis horas. "Saí com a perna esquerda paralisada, devido a rompimentos de ligamentos na coluna, e queimaduras no nervo ciático com laser", lembra Mariza. Ao todo, o médico Fernando Lamy, segundo a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TFRJ), respondia a 70 processos nos Juizados Especiais Criminais, Cíveis, de Família, e Dívida Ativa. Há casos que vão desde a paraplegia à falta de ereção, disfunção urinária, incontinência intestinal a danos morais e psicológicos.

Luta por ressarcimentos

Suely Gomes, de 61 anos, que ficou inválida depois de um procedimento malsucedido nas mãos de Lamy, contra artrose de coluna, em 2012, no Hospital do Amparo, disse que ainda vai tentar obter prejuízos financeiros que vem tendo desde então. "Passei a usar fraldas e tenho que tomar fortes medicamentos para depressão", justifica.

A advogada Giselle Farinhas, ressalta que no caso de erro médico, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que o termo inicial para o curso da prescrição para a vítima, se inicia a partir da constatação pela mesma do referido erro.

"Nesses casos, conta-se o início da prescrição a partir da data do conhecimento do fato pela vítima. Além disso, deve-se reconhecer que o prazo prescricional (perda da pretensão do exercício do direito de ação), em erro médico, é de cinco anos. Logo, para ingresso judicial em face de indenizações, deve ser considerada a data do conhecimento por parte das vítimas de tal erro médico", explica a advogada.

Mas se desta data se passaram cinco anos, a ação indenizatória prescreve. "Caso não tenha passado, ainda é possível o exercício da pretensão contra o médico, desde que vivo. Em casos de morte, como o de Lamy, apenas serão válidas as pretensões ao limite da herança deixada aos herdeiros. Lembrando que quanto a instância criminal teria que se analisar o tipo de crime e se se trata de ação penal privada ou pública", diz.

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