Família de jovem prestador de serviços da Cedae assassinado chega ao IML de Tribobó para liberar o corpoEstefan Radovicz / Agência O
Por NADEDJA CALADO e RAFAEL NASCIMENTO
Publicado 27/07/2018 03:00

Rio - A morte de Rômulo Farias Silva, 24, morto a tiros na tarde de quarta-feira, quando prestava serviços para a Cedae em São Gonçalo, trouxe à tona os perigos da atuação de trabalhadores das concessionárias de serviços públicos em áreas de risco no estado. Segundo um colega de Rômulo, que também presta serviços para a Cedae e pediu anonimato, atualmente a empresa não pode entrar em boa parte de São Gonçalo. "Temos de fazer só manutenção nessas áreas. E os funcionários que fazem os trabalhos são aqueles que moram e conhecem os locais", afirmou o técnico.

Outra concessionária que atua em outros municípios fluminenses, a Light, registrou 118 ocorrências contra seus trabalhadores, entre janeiro de 2017 e de 2018, entre elas agressões físicas, sequestros e ameaças de morte. "Profissionais precisam atuar em condições de segurança. Quando há atendimento em áreas de risco, a empresa procura manter contato com associações de moradores e a polícia", afirmou a empresa em nota. De acordo com a concessionária, 20% dos seus clientes moram em áreas de risco.

Rômulo, que havia começado no emprego havia apenas três dias, seguia com um colega para cortar a água de uma casa na região, mas a dupla foi abordada por criminosos, ordenando que parassem o serviço. Ao tentar fugir, na Estrada de Paciência, com a Rua Eucaliptos, no bairro Maria Paula, foi baleado ao menos duas vezes e caiu em seguida.

Desse momento em diante, as versões das testemunhas e do Corpo de Bombeiros se desencontram. Uma testemunha contou que o socorro foi acionado e um bombeiro disse que não poderia fazer o resgate, alegando estar sem ambulância e sem equipamento adequado, e que só entraria na comunidade com o apoio da PM, já que o local onde o corpo estava não era seguro.

Minutos depois, PMs em duas motocicletas chegaram, e um policial teria dito que não tinha "condições de prestar auxílio naquele momento". A discussão prosseguiu: "Quando eu pedi uma maca para tirá-lo da comunidade o bombeiro me deu voz de prisão. Foi muita negligência, um abuso de autoridade", disse a testemunha, que filmou trecho da discussão.

Ambulância

Em nota, o Corpo de Bombeiros informou que os bombeiros se deslocavam em viatura para outra ocorrência, e que acionaram uma ambulância, que seria o veículo adequado para socorro; e que a equipe negou ter dado voz de prisão à testemunha. Procurada, a PM informou que policiais foram ao local e que Rômulo "não tinha como ser socorrido pelas motopatrulhas".

Na discussão sobre as responsabilidades, quem mais sofre são familiares e amigos de Rômulo, que acreditam que a vida do trabalhador poderia ter sido salva se o socorro tivesse sido mais rápido. Dona Danielle, mãe do jovem, reconheceu o corpo do filho nesta quinta no IML de Tribobó.

Parentes criticam PM por omissão de socorro

A falta de socorro em áreas de risco também pode ter contribuído para a morte de um policial militar no domingo, também em São Gonçalo. A família do cabo Samuel Ribeiro acusa a polícia de omissão de socorro. Segundo familiares, eles tiveram a informação de que o PM tinha sido sequestrado por bandidos e levado para o Complexo do Salgueiro.

O irmão do policial disse que chegou a ligar para o 7º BPM (São Gonçalo), mas o oficial de dia responsável pelo plantão teria dito que os policiais da unidade não teriam como entrar na comunidade durante a noite. O oficial foi preso administrativamente no início da semana.

O corpo do PM foi encontrado carbonizado na segunda-feira dentro do próprio carro dele. A suspeita é que traficantes da mesma região tenham reconhecido e executado o cabo. A investigação é conduzida pela Delegacia de Homicídios de Niterói e aponta que o traficante Thomaz Jhayson Vieira é suspeito de ter dado a ordem para matar o policial militar.

Demora no atendimento

Familiares e amigos de Rômulo disseram que o impasse sobre atender ou não o jovem no local do crime pode ter custado a vida do rapaz. "Acredito que se o socorro tivesse chegado rápido, ele poderia estar vivo", afirmou Rafael Sales, de 28, amigo de infância do estudante. "É preciso priorizar a vida, e não o protocolo", completou.

Uma testemunha contou que, após a discussão com bombeiros e PMs que teriam se negado a ir até onde Rômulo estava caído, foi ela e outras pessoas da região que retiraram a vítima baleada na maca do Corpo de Bombeiros e a levou até perto da ambulância.

O Corpo de Bombeiros negou e justificou que a primeira viatura a aparecer apenas passava pelo local do crime e que era necessária uma ambulância, que chegou em 20 minutos, para prestar o devido socorro ao baleado. "Diferente dos policiais que acessam locais de risco durante um conflito armado, os bombeiros somente acessam essas localidades após o conflito ter cessado ou avaliarem o melhor momento para acesso", informa o Corpo de Bombeiros. O órgão disse que classifica as áreas de risco como áreas de conflitos previsíveis (conflito acontecendo) e imprevisíveis (probabilidade de ocorrer). Já a PM negou ter omitido socorro e disse que acionou a ambulância do Corpo de Bombeiros e uma patrulha, e que a vítima foi socorrida e levada para o Hospital Alberto Torres.

Rapaz de 24 anos queria ser advogado

Morador do bairro Santa Catarina, em São Gonçalo, Rômulo cursava o 7º período de Direito na Universidade Salgado de Oliveira, e sonhava em se formar e em abrir um escritório de advocacia. "Nossos amigos que advogam sempre o incentivaram e apoiaram muito", lembrou o montador de vidraças Rafael Sales, 28, amigo dele.

O jovem tinha acabado de se formar no curso de bombeiro hidráulico. Antes de trabalhar no Consórcio Módulo, que presta serviços para a Cedae, ajudava o pai em uma serralharia no bairro Boa Vista.

Ele também gostava muito de veículos. "O carro era a paixão dele", conta Gabriel Meireles, 23. Quando foi morto, Rômulo estava em uma Yamaha Crosser 150.

Rômulo será sepultado nesta sexta-feira, às 13h, no Cemitério de Marui, no Barreto, em Niterói. De acordo com os amigos, ele foi baleado no abdômen. "Isso não pode ficar assim. Um cara sonhador, batalhador e que perde a vida assim. O meu amigo estava uniformizado. Estava com a roupa da empresa", completou Rafael Sales. A empresa informou que presta auxílio à família.

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