Rodrigo Alexandre da Silva Serrano, de 26 anos, foi morto após PMs confundirem seu guarda-chuva com fuzil Facebook
Por RAFAEL NASCIMENTO
Publicado 18/09/2018 10:03 | Atualizado 18/09/2018 14:15

Rio - Abalados, familiares e amigos do garçom Rodrigo Alexandre da Silva Serrano, de 26 anos, morto por três tiros que teriam sido disparados pela PM, na noite desta segunda-feira, na comunidade Chapéu-Mangueira, no Leme, reclamam do despreparo e truculência da PM e denunciam que foram impedidos de socorrer a vítima. Militares teriam confundido o  guarda-chuva de Rodrigo com um fuzil.

"Esses PMs são despreparados, eles não têm amor ao próximo. Não perdoo quem fez isso com meu filho", disse Valéria de Assis da Silva, mãe de Rodrigo.

"Foi uma crueldade e uma má preparação da PM. A partir de agora eu não sei o que vou fazer. Tenho que ter forças para seguir e explicar para os meus filhos o que fizeram”, desabafa Thaísa de Freitas, de 25 anos, esposa da vítima. "Qual é a necessidade da PM dar três tiros achando que um guarda-chuva é um fuzil? Os meus filhos viram o pai morto. O mais velho chegou em casa e começou a contar pros familiares o que tinha acontecido", completou. 

Fábio da Conceição Ventura, de 29 anos, é amigo de Rodrigo e professor de Jiu-Jitsu de seu filho mais velho. Ele conta que estava no local no momento dos disparos e tentou socorrer o amigo, mas foi impedido pelos policiais.

"Tentei socorrer, mas os policiais não deixaram, falaram que quem ia socorrer era a polícia. Jogaram ele dentro da viatura e levaram embora. Eles foram truculentos o tempo todo”, relatou. 

"Depois que o meu marido foi baleado eu ainda tentei pedir ajuda aos policiais e me trataram muito mal. Eu só queria socorrer meu marido. Eles disseram que era pra eu ir tirar satisfação com os bandidos porque eles haviam matado o meu marido. Quero uma explicação da PM”, denuncia Thaísa.

Amigos ainda contam que não são contra a incursão policial, operações, UPPs, mas denunciam o abuso policial e a arbitrariedades, que fazem parte da rotina das ações policiais, segundo os relatos. “Eles batem, esculacham, atiram pra cima do morador”, denunciam amigos e moradores.

Thaísa também denuncia a rotina de insegurança na comunidade. Segundo ela, seu filho mais velho, de 4 anos, já sabe como se esconder de tiroteios e ainda relata que a creche onde os filhos estudam já foi atingida por disparos inúmeras vezes.

“Diversas vezes crianças ficam no fogo-cruzado e as professoras têm que colocar todas elas no chão pra não serem atingidas. Infelizmente, as crianças da comunidade já sabem como é a vida aqui e que tem que se esconder para não serem atingidas. Essa é a realidade do Chapéu-Mangueira: quem deveria proteger está matando”, conta.

Homem é baleado no Chapéu-Mangueira ao ser confundido com traficante, dizem moradoresDivulgação

Apesar das denúncias da constante insegurança no Chapéu-Mangueira, Thaísa afirma que no momento do crime não havia relatos de tiros na região. "A comunidade estava lotada, tinham muitas crianças na rua e pessoas subindo e descendo”, disse.

Rodrigo havia acabado de sair do trabalho em um restaurante próximo à entrada da comunidade. Ele subiu para pegar a esposa e os filhos para que os quatro fossem ao mercado e à loteria para pagar algumas contas. Segundo Thaísa, ela ficou dentro da Kombi junto com os filhos e com as compras, enquanto o garçom subiu a pé pela escada. Quando chegou próximo ao “Bar do Davi” ele foi atingido pelos três disparos.

“Eles atiraram sem ter certeza de quem estava na rua, de quem poderiam acertar. Qual é a preparação desses PMs? Ele é mais uma estatística. Não é mais um policial ou mais uma pessoa que mora em Ipanema ou Leblon. Ele é mais um favelado que é assassinado pela polícia. Eles destruíram a minha vida”, desabafou Thaísa.

“Quando ele foi baleado, ainda estava com o canguru que a gente carregava o bebê. Não tinha tiros, não tinha nada. Estava tudo tranquilo, a comunidade não teve confronto ontem (segunda). A polícia entende que se é arma tem que atirar sem o menos pedir pra revistar. E agora, o que eu foi falar pros meus filhos? Pro bebê que fica chamando pelo pai? Eu estava na Kombi, ouvi os disparos”

Rodrigo Alexandre já tinha sido preso em 2014 por roubo e ganhou a liberdade em 2016. Atualmente, ele estava em condicional respondendo por tráfico de drogas. Há dois anos, quando saiu da cadeia, o dono do “Bar Leme Light” deu uma oportunidade de emprego para a vítima que, segundo os amigos, foi reintegrado à sociedade.

“O meu filho era uma pessoa boa. Ele teve os erros dele sim, mas pagou e estava livre. Ele quis consertar o que ele fez”, conta Valéria, mãe da vítima.

“A última coisa que o meu filho me disse, nesta semana, quando eu estive aqui, foi: ‘mãe estou realizado. Eu consegui um emprego, estou de carteira assinada e vou fazer a festa para o meu filho'”, desabafou.

“Eu ainda falei ‘filho não precisa me levar lá em baixo porque está com policiamento, não precisa ficar preocupado’. Ele ainda insistiu, falou ‘mãe eu vou te levar lá embaixo sim depois eu volto não precisa se preocupar”, finalizou, abalada.

Moradores do Chapéu-Mangueira fazem manifestação contra o ataque policial 

Cerca de 50 moradores da comunidade Chapéu-Mangueira protestam contra o ataque policial sofrido por Rodrigo. Todos os manifestantes carregaram um guarda-chuva, o mesmo que a vítima levava no momento dos disparos. 

Indignados, os moradores gritam "assassinos" quando passam por PMs e rezam constantemente em busca de consolo e esperança. Por conta do encontro, o trânsito na região está bem complicado. 

Moradores do Chapéu-Mangueira fazem manifestação após morador ser morto pela PMReprodução Facebook

A professora de antropologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Clarice Peixoto, que mora no Leme, acompanhou a manifestação e criticou a política da PM durante as abordagens de pessoas negras e moradoras de comunidades.

"Temos uma população jovem e negra que está sendo morta pela polícia. Essa é uma política de preconceito que vem desde da época do coronelismo. Nela, todo pobre e negro é bandido e não trabalhador. O mais triste é que os PMs que cometem esses crimes são negros e estão matando seus próprios irmãos de cor. É preciso ter um basta nessa política de mortes”, diz a estudiosa.

Moradores do Chapéu-Mangueira fazem manifestação após morador ser morto pela PMReprodução Facebook

Valdinei Medina Machado da Silva, ex-presidente da Associação de Moradores da comunidade, também denuncia a política violenta da polícia e sua truculência nas ações e relembra que este não é o primeiro caso onde moradores são mortos por despreparo da PM.

"Não foram nas comunidades que os policiais acharam o maior número de fuzis, foi no Tom Jobim. Na favela não se achou grande quantidade de armas. A polícia vê a gente [moradores de comunidades] como um território inimigo", conta.

"Eles entram de qualquer jeito e querem atirar pra matar. Já confundiram furadeira com arma. Já mataram cinco inocentes negros dentro de um carro [em Acari]. Já mataram 21 inocentes em Costa Barros e por aí vai. Não podemos deixar isso passar em branco. Só por que ele foi preso, cumpriu seu crime ele precisa morrer? Alguém que foi preso e ressocializado precisa morrer? Qual é a lógica? Então o Sérgio Cabral precisa morrer?", desabafa. 

PM se manifesta por nota oficial

Através de nota oficial, a PM falou sobre o caso da seguinte maneira:

"Segundo o comandante da Unidade de Polícia Pacificadora Babilônia/ Chapéu Mangueira, no início da noite da última segunda-feira, policiais militares da unidade faziam policiamento na comunidade quando foram alertados por populares que haviam criminosos na localidade do Bar do David, no Chapéu Mangueira, no Leme. Os policiais foram até o local e houve breve confronto. Policiais aguardaram até a estabilização da área e momentos após cessarem os disparos dois homens foram encontrados feridos e socorridos ao Hospital Municipal Miguel Couto, na Gávea. Um deles não resistiu aos ferimentos. Ele tinha anotações criminais por roubo e tráfico de drogas. Com os socorridos foi apreendido um rádio comunicador. A ocorrência foi registrada na 12ª DP (Copacabana). A Corregedoria da Polícia Militar acompanha o caso".

Luiz Alberto de Jesus, presidente da associação de moradores do Chapéu-Mangueira, afirmou que o caso será levado para o MP e que o ato desta terça-feira foi por alinhamento e respeito. Ele ainda afirmou que, apesar dos antecedentes, a vítima tinha sido reintegrada à sociedade e era uma pessoa boa. As intervenções policiais também foram defendidas, mas a truculência e o despreparo da polícia foram, mais uma vez, denunciados.

"Vemos isso como uma violência que já estamos sofrendo há muito tempo. Quem deveria nos proteger está nos atacando. Tem uma UPP aqui mas não quer dizer nada. Atiram e depois vão saber quem é. O rapaz estava aguardando a família. Fechou o guarda-chuva porque já tinha passado", declarou.

"Ele estava na sociedade. Não somos contrário às operações e a intervenção. Queremos que elas sejam feitas com inteligência. Vamos acionar o MP. Hoje, o nosso ato foi em alinhamento ao respeito. Poderíamos muito bem sentar no asfalto e causar tumulto. Isso não era o nosso objetivo. Aqui há uma divisor entre asfalto e comunidade. Enquanto houver isso nada se resolverá. O índice de crimes no bairro é praticamente zero. Ninguém aqui do morro faz besteira no bairro. No entanto, o morador do Leme está preocupado com o valor imobiliário do seu imóvel", finalizou. 

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