No vídeo, pelo menos 30 evangélicos ocupam área do Cemitério de Maruí, onde adeptos de Umbanda e Candomblé participavam de culto - Reprodução
No vídeo, pelo menos 30 evangélicos ocupam área do Cemitério de Maruí, onde adeptos de Umbanda e Candomblé participavam de cultoReprodução
Por FRANCISCO EDSON ALVES

Rio - Imagens de um grupo de pelo menos 30 evangélicos expulsando cerca de 15 adeptos da Umbanda e Candomblé que participavam de um culto no Cemitério de Maruí, no bairro Barreto, em Niterói, estão causando indignação nas redes sociais. O fato ocorreu no Dia de Finados. Só uma postagem do Facebook, feita pela Agência Afro Notícias, por exemplo, já atingiu quase um milhão de visualizações nesta tarde.

Pelas imagens, de um minuto e dezessete segundos, homens e mulheres vestidos com camisas amarelas, invadem a área em que os seguidores de Umbanda estavam, próximos a túmulos, na localidade conhecida como Cruzeiro. Aos gritos de 'Jesus tem poder', 'o nome de Jesus é poderoso' , 'o demônio sai' e 'feitiçaria sai!', os umbandistas, que estavam em companhia de alguns candomblecistas, ficaram acuados, e acabaram se dispersando.

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"Foi uma situação humilhante. Nós estávamos ali num ato de louvor, em homenagem aos nossos antepassados, como sempre fazemos, quando essa turma, que se intitulou ser 'evangélicos do arrastão de Jesus', chegou aos berros, nos expulsando do lugar", lamentou Magno da Conceição, de 30 anos, um dos adeptos de umbanda. Ele conta que o zelador Alan Silva, um dos pais de santos que professavam a fé naquele momento, tentou dialogar com os evangélicos, sem sucesso.

O caso, que será registrado nesta terça-feira na Polícia Civil, será alvo de investigação também da Comissão Combate à Intolerância Religiosa (CCIR). Religiosos e defensores da cultura afro, também programaram protesto para esta quarta-feira, as 17h, em frente à estação das Barcas de Niterói, além de caminhada, a partir de 10h da manhã do próximo domingo. O ponto de encontro será na Praça do Barreto, segundo até o Cemitério de Maruí.

"Além de ser caso de polícia, o governo municipal também tem que tomar providências, já que se trata de um cemitério municipal. O que aconteceu foi muito grave. Os integrantes do grupo que aparecem no vídeo, têm que ser identificados para responderem por diversos tipos de crimes, desde vilipêndio religioso a constrangimento ilegal”, afirmou o babalawo e interlocutor da CCIR, Ivanir dos Santos.

Para Ivanir, como estavam uniformizados, os evangélicos que participaram do ato 'tiveram a nítida intenção de se organizarem e, de forma consciente, impedirem a manifestação afro-religiosa'. "Por isso, também entraremos com representação junto ao Ministério Público", relatou. 

Três décadas de denúncias

Antropóloga e pesquisadora de religiões de matrizes africanas do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (Ineac/UFF), Rosiane Rodrigues, relembra que desrespeitos semelhantes vêm se repetindo há 30 anos. "Estamos há três décadas denunciando os desmandos, a truculência e a bestialidade de evangélicos contra os cultos afro-brasileiros. Ninguém toma providências. Mas vamos resistir. Resistimos há séculos, inclusive contra certas pessoas que usam o nome e o sangue do povo santo para fazer política em benefício próprio", desabafou Rosiane.

Rosiane Rodrigues: 'Há três décadas denunciamos esses absurdos. Ninguém toma providências' - Divulgação

Em 2014, conforme o DIA acompanhou, Rosiane comandou a cruzada que derrubou a proibição de cultos de adeptos de religiões de matrizes africanas nos cemitério do Rio. A ordem, havia sido imposta naquela ocasião pela Santa Casa de Misericórdia, que na época administrava os cemitérios.

Luiz Carlos Faria, diretor do Cemitério de Maruí, afirmou ao DIA que a administração local só soube do ocorrido pelas redes sociais. "Nós temos guardas municipais que vigiam o cemitério diariamente, mas no dia 2, havia muita gente, muita movimentação, principalmente por parte de grupos religiosos. Obviamente que não toleramos nenhum tipo de preconceito a nenhuma religião, seja ela qual for", afirmou Luiz Carlos, que disse ter encaminhado o assunto ao governo municipal, que, por sua vez, deverá contribuir com a polícia civil, no sentido de identificar, por meio de câmeras internas, os supostos agressores.

"Esperamos que o poder público e as autoridades tomem procidências contra esse tipo de aberração", comentou o organizador da caminhada de domingo, pai Cristiano de Oxóssi. Nas redes sociais, a discussão sobre o assunto estão acaloradas. "Absurdo, falta de respeito o que aconteceu. Todos nós temos o direito de professar nossa fé, seja onde for", lamentou Márcia Vidal, pelo Facebook. "Absurdo e falta de respeito de ambas as partes. Cemitério é lugar de descanso dos entes queridos. Para os cultos existem as igrejas e os terreiros", opinou Oliveira dos Santos Júnior.

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