No Cemitério do Maruí, onde 11 corpos foram enterrados, o sofrimento de parentes e amigos era desolador - Daniel Castelo Branco
No Cemitério do Maruí, onde 11 corpos foram enterrados, o sofrimento de parentes e amigos era desoladorDaniel Castelo Branco
Por *O DIA

Rio - Depois que sete casas e uma pizzaria foram abaixo, levando 15 vidas no Morro Boa Esperança, em Piratininga, Niterói, começa a apuração de responsabilidades, medidas para amparar sobreviventes e evitar novas tragédias. Até agora, 22 residências no entorno foram interditadas por riscos. Há promessas de casas para os sobreviventes. Aluguel social. Alguns falam em fatalidade e fenômenos da natureza. Vítimas, em tragédia anunciada.

Mas ninguém é capaz de confortar, por exemplo, Janice Martins Ferreira, 47 anos. Um dia após a tragédia, ela ainda não entendia o que realmente tinha acontecido com a maior parte de sua família. Peças de roupas em duas bolsas de pano foi tudo o que restou dos parentes após deslizamento. O curativo no braço direito é a marca do remédio na veia para estancar a dor de enterrar mãe, irmã, cunhado e quatro sobrinhos. Estava amparada por amigos e voluntários no Colégio Municipal Portugal Neves, em Piratininga, a poucos metros de onde a tragédia aconteceu. "Como vou ser forte, me diz? Não quero ser forte. Fui dormir e acordei com a informação que todos eles estavam mortos". Não há respostas para ela.

A dona de casa conta que mora na comunidade, mas não perto de onde o desabamento aconteceu. Na noite anterior, a matriarca da família, Maria do Carmo Ferreira, 80, havia reunido filhos, netos, cunhados, sobrinhos e alguns amigos mais íntimos para um jantar. Após a comemoração, alguns parentes foram embora e outros decidiram dormir na casa da idosa, uma das mais afetadas. No local, segundo o Corpo de Bombeiros, quatro vítimas foram encontradas abraçadas.

Prefeito Rodrigo Neves visitou a comunidade e disse que vai dar aluguel social e casas para desabrigados - Maíra Coelho

A comunidade que acompanhou as buscas das dez vítimas fatais no sábado viu neste domingo outros quatro corpos serem retirados dos escombros. E recebeu, estarrecida, a notícia da morte de Arthur Caetano Carvalho, de 3 anos, que estava internado.

Equipes da prefeitura monitoram a área para identificação de possíveis riscos. Um drone está sendo usado na avaliação. As famílias ainda não foram autorizadas a entrar nas residências no entorno para pegar pertences. Documentos encontrados nos escombros foram deixados na Associação dos Moradores. A Defensoria Pública do Estado atenderá moradores hoje, das 9h às 17h, na Rua Dr. Carlos Chagas, 1.047.

Área sem sirene

Segundo o prefeito Rodrigo Neves, que esteve neste domingo na comunidade, a área nunca foi diagnosticada como de alto risco. "Em 2012, houve um inventário sobre área de riscos. Nenhum estudo indicava essa localidade como uma área de alto risco. Sirenes funcionam em Niterói desde 2013. Essa comunidade não tinha porque não estava com apontamentos de alto risco. E mesmo que tivesse sirene, ela não tocaria porque no dia da tragédia não estava chovendo".

"O evento foi de baixa previsibilidade, era difícil de prever que fosse acontecer", informou Wilson Giozza, do Departamento de Recursos Minerais do estado. O prefeito decretou luto de três dias. Afirmou que desabrigados vão receber imóveis. E que amanhã vai enviar em caráter de urgência à Câmara dos Vereadores um projeto de lei para ampliar o aluguel social. "Niterói não vai deixar de prestar assistência aos familiares. Até 22 de dezembro vamos entregar as casas. Até lá, elas serão assistidas por aluguel social. Vamos entregar 280 unidades habitacionais para pessoas que estão em áreas de alto risco e mais de 200 unidades em parceria com a Caixa Econômica, no Fonseca", afirmou. Segundo ele, foram investidos R$ 200 milhões em obras de contenção de encostas na cidade.

A prefeitura pedirá ao governador eleito Wilson Witzel a implantação de sistemas de sirenes em áreas como os morros de Bonsucesso, Esperança e Caniçal.

Mapeamento de áreas teve duas paralisações e não foi concluído

Em 2016, a Prefeitura de Niterói contratou um Plano de Mapeamento de Áreas de Risco para a região do Boa Esperança. A pesquisa para identificar riscos custaria quase R$ 3 milhões aos cofres públicos com previsão de entrega em fevereiro de 2017. Mas não ficou pronto até hoje. De acordo com a Comissão de Direitos Humanos de Niterói, o contrato teve duas suspensões.

Tragédia com vítimas de todas as idades: cortejo de Kaique Resende, de 1 ano e 9 meses, e de Maria Madalena Resende, de 80 anos - Daniel Castelo Branco

A família de Alan Ferreira Teles, 29 anos, e da universitária Amanda Tomaz da Silva, 30, também estava inconsolável e acha que o deslizamento podia ter sido evitado. O casal participou da festa na casa de Maria do Carmo e dormiu lá. "As pessoas tinha que ter sido retiradas antes. Era área de risco e ninguém tirou eles. As pessoas não têm onde morar, vão fazendo casas. Agora, vão providenciar a saída dos moradores? Agora já era,", diz Marielene da Silva Ferreira, 55 anos, mãe de Alan. Ela contou que o filho havia começado num novo emprego e formado grupo musical. A nora tinha voltado a estudar Psicologia.

Enquanto liberava o corpo do neto Kaique da Silva Resende, 1 anos e 9 meses, e da ex-sogra Maria Madalena Linhares, 54, Sandra da Silva Francisco lembrou que há anos eles tinham esta preocupação. Disse que houve deslizamentos em 2010 e 2016.

Onze enterros em apenas um dia

Sob o olhar desolado de parentes, amigos e vizinhos, 11 das 15 vítimas fatais foram enterradas no Cemitério do Maruí, no Barreto. Cinco ônibus foram fretados para levar parentes e amigos. Havia até um atendimento médico emergencial montado com uma ambulância e enfermeiros no cemitério.

Taís Ferreira Rodrigues, irmã de Alan, reclamou da falta de atenção das autoridades com a comunidade. "Esperaram acontecer primeiro e agora querem ajudar? Não adianta, não vai trazer de volta", lamenta.

A pedido do presidente Michel Temer, equipe do Ministério da Integração Nacional esteve no Boa Esperança. O secretário nacional de Proteção e Defesa Civil, Renato Newton, acompanhou o trabalho no local.

Lista de vítimas e três feridos ainda em hospital

Dos 15 mortos, sete são da mesma família: Maria do Carmo Ferreira, 80 anos; Janete Martins Ferreira, 57 anos (filha), Claudiomar Dias Martins, 37 anos (cunhado); Maria Aparecida Martins Viana, 19 anos (neta), Beatriz Martins Pereira, 18 anos, (neta), Géssica Martins Firmino, 15 anos (neta) e Marcos Anthony Martins de Aguiar, 9 anos (neto). As outras vítimas são Maria Madalena Resende, 56 anos, Kaike da Silva Resende, 1 ano e meio, Amanda Tomás da Silva, 27 anos; Alan Ferreira Teles, 29 anos; Dalvina Marins, 66 anos; Marta Pereira Romero, 61 anos; Nicole Caetano de Carvalho, 10 meses; Arthur Caetano de Carvalho, 3 anos. 

Três pessoas, sendo dois adultos e uma criança, seguem internados no Hospital Azevedo Lima.

*Reportagem de Francisco Edson Alves, Karilayn Areias, Lucas Cardoso e Rafael Nascimento

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